Entrevista: Marcelo Brandão Cipolla

Marcelo Brandão Cipolla, coordenador das traduções de inglês da editora Martins Fontes, é tradutor há 21 anos. Gentilmente, ele aceitou o convite para ser entrevistado para o Ao Principiante e, a partir de hoje, você vê o resultado dessa rica conversa aqui, na seção Entrevista. Falamos sobre a área editorial e muitos outros assuntos pertinentes para nossa profissão, como tecnologia, especialização, pesquisa e mais. Vale a pena acompanhar!
Hoje, você conhecerá um pouco sobre como o Marcelo começou na profissão e o que ele faz atualmente. Não deixe de conferir a continuação da conversa ao longo das próximas semanas. Boa leitura!
Qual a sua história profissional – como começou na profissão e por que escolheu ser tradutor?
Escolhi ser tradutor porque me casei de improviso aos vinte e um anos e tive de sustentar minha família. Eu estava na faculdade de arquitetura, mas não me sentia seguro para trabalhar na área, além do que um estagiário ganhava (e ganha) salário de miséria. Por outro lado, eu tinha morado na Inglaterra dos 10 aos 12 anos de idade e dominava perfeitamente a língua inglesa lida, escrita e falada. Já tinha dado aula de inglês durante cerca de dois anos, mas a rotina das aulas não me agradava. Meu pai tinha traduzido alguns livros de neurofisiologia, área dele, para a Editora Ícone. Então ele me arranjou um livro para traduzir: The Construction of the Mind (A construção da mente), do neuropsicólogo soviético Alexander Luria. Para você ter uma ideia da precariedade do meu trabalho naquela época, eu escrevi a tradução à mão em papel jornal e depois a datilografei, catando milho, na máquina que minha mãe me emprestou. Meus pais haviam participado, na juventude, de um grupo de amigos que ainda mantinham contato entre si. Uma pessoa desse grupo, a Mônica Stahel, que me conhecia desde pequeno, trabalhava no departamento editorial da Editora Martins Fontes. Ela também já havia passado livros para meu pai e minha mãe traduzirem em suas respectivas áreas. Minha mãe conversou com ela, que resolveu me dar uma chance. Me passou então o livro Aspects of Antiquity (Aspectos da antiguidade), de Moses I. Finley. A Mônica gostou da tradução apesar dos pesares, achou que eu tinha potencial e passou a me dar livros para traduzir.
Há quanto tempo está na Martins Fontes? Hoje, o que você faz lá?
Traduzi meu primeiro livro para a Martins Fontes em 1989 e trabalhei para eles até 1992, mais ou menos. Estive afastado por um período e voltei a lhes prestar serviços em 1999. Em 2004, o Luís Rivera (chefe do departamento editorial) e a Mônica me propuseram assumir, sempre como free-lancer, a coordenação das traduções do inglês. Na prática, eles me passam os livros; eu defino quem vai ser o tradutor e estabeleço com ele o prazo, o estilo de tradução e certas diretrizes terminológicas; alerto-o também para as armadilhas específicas daquele texto. Acompanho o trabalho mês a mês, olhando as remessas e enviando, quando necessário, correções e comentários ao tradutor. Fico ainda à disposição dele para resolver dúvidas de tradução, terminologia e padronização editorial. Quando ele termina o trabalho, olho tudo. Às vezes peço que refaça uma ou outra coisa, e de qualquer modo faço uma revisão no texto, às vezes sumária, às vezes mais pesada. Quando um livro vai ter também revisão de tradução, faço o mesmo trabalho com o revisor. Além disso, sempre estou fazendo ou uma tradução ou uma revisão para a editora.
Que tipos de texto traduz?
Traduzo, em geral, livros de não-ficção que podem ser englobados na área de Humanas. Mas, dentro desse campo, já fiz praticamente de tudo: história, religião, direito, psicologia, linguística, filosofia, política, literatura, arte, arquitetura e até culinária. Traduzi também muitos livros para a Editora Pensamento, que podem se classificar em autoajuda, misticismo, e artes, ciências e religiões orientais. Fora isso, já traduzi vários textos daquilo que se chama “o novo paradigma nos negócios”, tanto para a Pensamento quanto para a Amana-Key.
Quais obras você mais gostou de traduzir? Por quê?
Gostei de traduzir obras sérias sobre yoga, como A Tradição do Yoga de Georg Feuerstein para a Pensamento. Gostei também de trabalhar num livro do qual só traduzi pequenas partes, mas cuja tradução coordenei e do qual fiz a revisão: O livro tibetano dos mortos, recentemente publicado pela WMF Martins Fontes. Desses livros eu gostei porque o tema me interessa. Fora isso, e apesar de não ser especializado em literatura, gostei muito de traduzir Zen e a arte da manutenção de motocicletas, de Robert Pirsig, também para a WMF. Esse me agradou não só pelo tema como também pela forma, um romance de viagem. E há outros livros que me agradaram e dos quais gosto porque achei que a tradução ficou muito boa. É o caso, por exemplo, de A história da humanidade (Hendrik Willem Van Loon, WMF); de A arte de fazer um grande vinho (Edward Steinberg, WMF); de Com Deus Não se Brinca (Julia Cameron, Pensamento); e de um livro de ciência gastronômica chamado Sobre a culinária e os alimentos, que estou terminando agora (Harold McGee, WMF).
Você costuma ler os livros que traduziu passado algum tempo do trabalho? Se sim, como é essa experiência?
Não costumo lê-los inteiros. Quando recebo o exemplar do livro publicado (é hábito o tradutor receber pelo menos um exemplar do livro), geralmente já se passaram uns bons meses ou mesmo anos desde a época da tradução. Então, eu olho o livro, leio alguns trechos, faço uma avaliação do meu trabalho, avaliação essa que é facilitada pelo distanciamento temporal. Quando o aprovo, a experiência é muito agradável. Por outro lado, às vezes encontro algo que eu gostaria de mudar, mas isso, em regra, já não é possível.
Além da área editorial, você já trabalhou com agências de tradução ou outros clientes? Já fez outros tipos de trabalho (ou tem vontade de fazer), como legendagem, por exemplo?
Nunca trabalhei com agências de tradução. Já traduzi textos para a Amana-Key, uma firma de consultoria empresarial, a serem usados nos seminários que eles oferecem para executivos e empresários. Traduzi alguns filmes para uma produtora chamada Omni Vídeo há 25 anos. Hoje tenho vontade de tentar de novo a mão na legendagem, para alternar com o trabalho na área editorial.
Gostei muito de saber que o Marcelo pôde desenvolver uma carreira de sucesso trabalhando quase exclusivamente no ramo editorial.
Resumo: meu pai trabalhava para editora, me indicou. Eu fiz um bom trabalho, permaneci.
Conheço muitas histórias semelhantes, a maioria começa assim. E quem não tem pai que trabalhe para editora? Nem ninguém para indicar o trabalho? Nem teste consegue.
Ótima entrevista e ótimo blog, adorei!
Diego.
Obrigada, Diego! Espero que volte mais vezes 🙂