Tradutor: você ganha ou produz seu dinheiro?

Esses dias estive pensando sobre uma diferença essencial entre a cultura americana e a brasileira, evidenciada por duas expressões simples do inglês e do português:

make money X ganhar dinheiro

Há uma carga de autonomia completamente diferente nos verbos make e ganhar, e veremos como isso tem tudo a ver com o modo de encarar nossa profissão.

A primeira definição de make no Macmillan Dictionary é create, produce something, o que pressupõe que o sujeito é responsável pela ação. To make money significa gerar o próprio dinheiro por meio da minha oferta de serviço, do meu esforço. É o bom e velho “colocar a mão na massa”, “fazer acontecer”.

Então, qual a diferença entre “fazer dinheiro” e “ganhar dinheiro”? Ganhar significa “adquirir”, o que leva a entender que eu consigo ou conquisto algo que vem de fora, de uma outra fonte. Eu produzo esforço e trabalho, mas o dinheiro eu recebo (de outras mãos).

Às vezes acho que essa visão internalizada do dinheiro como um “presente” que se ganha é o que leva muitas pessoas a não sobreviverem na nossa profissão. A tradução é um ofício de autonomia, especialmente hoje, em que cada vez mais dispensamos as empresas e trabalhamos por nossa conta e risco. Faz muito mais sentido “fazer” nosso dinheiro, mas para isso precisamos parar de estender as mãos e mudar nosso esquema mental.

Como se faz isso? Primeiro, entendendo que ser tradutor exige ser uma mistura de administrador, contador, secretário, gerente comercial, técnico de informática e tantas outras coisas. Ou seja, que traduzir é apenas uma das facetas do nosso trabalho. Segundo, cultivando essas habilidades e as encarando como parte de um todo, e não como um fardo. Isso significa se livrar das amarras da mentalidade “trabalhador assalariado”, aquele que não decide nem apita nada, que não sabe quem são os clientes ou quanto a empresa fatura.

Ou seja: não fazemos parte de uma engrenagem. Nós somos a engrenagem. Antes de traduzir, fazemos captação de clientes, cultivamos contatos profissionais, buscamos os recursos necessários. Depois de traduzir, contabilizamos os valores, administramos as contas do mês, organizamos o escritório. Dessa forma, prefiro pensar que meu dinheiro ninguém me dá de presente. Eu simplesmente o mereço.

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6 Respostas para “Tradutor: você ganha ou produz seu dinheiro?”

  1. Renato Motta diz :

    É isso mesmo, Lorena. A passividade é comum em quem trabalha por conta própria, mas acho isso inaceitável. Devia ocorrer exatamente o contrário! Em nossa área, a tendência é esperar que alguém nos ofereça serviço, principalmente no início. Insegurança, timidez e sensação de isolamento são comuns entre os iniciantes, mas é fundamental que o cliente saiba que nós existimos. As redes sociais, os blogs e o mundo virtual substituíram os currículos enviados pelo correio, as indicações de parentes e as escolhas por apadrinhamento ou nepotismo.

    “Fazer” dinheiro significa correr atrás do cliente, mostrar que o profissional existe e é competente. Esse pontapé inicial não depende de concursos, currículos nem indicações. É um passo que o tradutor deve dar com as próprias pernas. Gostei da frase “não fazemos parte da engrenagem, nós SOMOS a engrenagem”. E o momento para colocá-la em ação é agora!

    Parabéns pelo blog.

    • Lorena Leandro diz :

      Que honra tê-lo por aqui, Renato!

      Pois é, acho que os iniciantes ficam muito inseguros porque, em parte, não se fala nada de administração e afins nos cursos de tradução. Para aqueles que vêm de outras áreas pode ser que seja diferente, mas para um recém-formado em tradução o que fica do curso é que traduzir é uma arte incompreendida e que dar aulas de inglês é o único caminho para se fazer um pé de meia.

      Além disso, há toda uma mentalidade de que ainda precisamos da carteira assinada para sermos felizes. Tudo bem que ser autônomo/freelancer do Brasil não é das tarefas mais fáceis, mas também não é um bicho de sete cabeças como parece. Eu mesma demorei muito para entender isso.

      Ao mesmo tempo, você colocou muito bem: as redes sociais estão aí para isso. Além de ser uma excelente exposição, ainda ajuda a ficarmos em contato com outros profissionais e, assim, entender melhor a profissão e como o mercado se comporta.

      Obrigada por sua colaboração, um grande abraço 🙂

    • taina ferreira velozo diz :

      Ola gostaria de uma dica de como posso ganhar uma grana extra com traducao de textos tenho cursos de ingles mas nao sei como comecar
      obrigada!

      • Lorena Leandro diz :

        Olá, Taina.

        Antes de qualquer coisa, gostaria de esclarecer um ponto: tradução é profissão, não bico. Acho que se você leu esse artigo todo, pode ter percebido isso. Ser tradutor profissional exige estudo, dedicação, investimento e, claro, tempo. Além disso, cursos de inglês/saber uma língua estrangeira não garantem que uma pessoa traduza bem.

        Sugiro que você leia esse outro texto aqui do blog, acho que vai entender melhor o que estou dizendo:

        http://lorenaleandro.com/2011/07/04/o-comeco-do-comeco/?preview=true&preview_id=904&preview_nonce=69e5817420

        Leia também os outros artigos do blog e perceberá que a tradução é uma atividade que vai muito além do que talvez você imagine. Espero que goste!

        Obrigada pelo contato e abraços,

        Lorena

  2. Bete Koeninger diz :

    Lorena, excelente artigo. Apesar de me considerar uma péssima administradora, nunca tive ilusões quanto ao fato de que, para sobreviver, eu teria que fazer muito mais do que apenas “traduzir bem”. Tive a sorte de encontrar colegas com quem aprendi muito e de poder contar com a ajuda de gente que faz certas coisas muito melhor que eu, como criar planilhas para administrar minhas contas e projetos.

    Só é pena que esse lado “empresário” da profissão ainda não receba a devida atenção nas universidades e instituições que formam tradutores para o mercado. Acho que isso está mudando, mas ainda vejo muita gente sendo preparada para fazer talvez boas traduções, mas com pouquíssimas informações sobre como o mercado funciona. E nesse ponto o comentário do Renato é muito importante: o contato com outros profissionais pelas redes sociais é uma forma de superar isso.

    Obrigada pelas dicas do blog, sempre muito boas.

    • Lorena Leandro diz :

      Verdade, Bete!

      Acho que se não fossem colegas bem dispostos a nos ajudar, a coisa seria mais sofrida. Ainda bem que tem sempre alguém mais experiente pronto a mostrar algumas coisas que o iniciante desconhece!

      Beijos 🙂

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