Quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro I

Parte I – como nasce um “workaholic”
Eu devia ter uns 13 anos quando ouvi essa frase. Um vizinho que eu jamais tinha visto sair para trabalhar manda essa direta para o meu pai em um bate-papo informal, “Ah Chico, você é muito besta, quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro”. Fiquei revoltada na hora, afinal, o Chico parecia um burro de carga, a vida toda ralando desesperadamente e ainda morava de aluguel e andava a pé, enquanto que o “conselheiro” tinha sua casa própria de esquina e tinha seu carro (não era novo, mas andava). Aquilo ecoou na minha cabeça por anos. Bem, algum tempo depois descobri que o vizinho até trabalhava, mas só durante algumas horas, algumas noites por semana, dirigindo um centro de Umbanda. Embora aquela frase tenha me revoltado muito na época, hoje consigo ver alguma verdade nela.
Outro dia estava cansada de olhar para a tela, fui fazer o exercício de descanso ocular de colocar as mãos sobre os olhos em concha, contar até 10, e olhar para o horizonte, quanto mais longe melhor (repetir pelo menos três vezes). Comecei a observar a vizinhança. Tinha um rapaz lavando um corredor de uma casa que faz fundo com meu prédio, ele estava com aquelas máquinas de pressão. O corredor estava coberto de lodo e o jato passava e deixava tudo branquinho. Que coisa gostosa de ver, a solução imediata e estética de um problema. Fiquei ali olhando por alguns minutos e imaginando se minha profissão fosse aquela, como seria. Eu devo ter ficado ali olhando para o rapaz durante uns 10 minutos, imaginando que se eu trabalhasse naquilo, teria muito tempo pra pensar, afinal, só precisava de raciocínio mecânico e esforço físico mínimos para realizar a tarefa. Aquilo me fez lembrar da frase título deste artigo. E com aquilo, percebi que tradutor trabalha tanto que não tem tempo para pensar, e muitas vezes, não tem tempo de ganhar dinheiro!
Aí você vai dizer, só se você não pensa, eu penso e muito, o dia todo! Eu sei! A gente pensa dia e noite, o tempo todo. Mas 90% do tempo pensamos (pelo menos eu) no texto, no cliente, na atualização profissional, em mandar currículo, na internet, no glossário, na ferramenta, nas contas, no futuro (sob a ótica financeira, na maioria das vezes). Já pensou quanto do seu dia você dedica a você? A pensar em coisas agradáveis, que você gosta, coisas que gostaria de fazer, planos pessoais, massagem, fotografia? Quase nada! E quando pensamos nessas coisas, nos policiamos para voltar correndo pro tronco porque a “tia dédi” (dealine) está fungando no nosso cangote, doida pra acabar com essa orgia mental. Aí começa um círculo vicioso do qual, se não tivermos muita, mas muita força de vontade e muito planejamento, nunca sairemos. E acabaremos trabalhando muito, sem ter tempo de ganhar dinheiro!
Precisamos de dinheiro, então começamos a trabalhar. Somos autônomos, surge a insegurança quanto ao amanhã (como se empregado tivesse tanta segurança assim), então começamos a trabalhar mais ainda. Trabalhamos em casa, não precisamos pegar trânsito, não perdemos tempo nos arrumando para o trabalho, então começamos a trabalhar um pouco mais. Temos retorno financeiro, então ficamos empolgados e começamos a trabalhar um pouco mais para aumentar esse retorno. Fazemos um trabalho legal, a empresa paga direitinho, começam a mandar mais trabalho e nós, gratos pela sensação de estabilidade, começamos a trabalhar um pouco mais para dar conta da demanda extra. A empresa acha que somos ninjas, gosta do nosso trabalho, cumprimos os prazos, temos qualidade, não quer nos perder, então manda ainda mais trabalho, pra nos manter ocupados, motivados e nós começamos a trabalhar ainda mais porque não podemos perder esse cliente, afinal, ele já significa 80% da nossa renda mensal, além disso, não trabalhar aos finais de semana é muita frescura, dormir, é para os fracos.
Tem noção de onde isso vai parar? Aí, um belo dia, outro cliente liga para você. Ele te oferece x palavras por $y. Você pensa: “Putz! Tenho que aceitar, afinal, é mais do que ganho com a empresa A.”, aceita, pois lembra que domingo, depois do Fantástico, ainda não tem nada pra fazer. Aí você capricha, afinal, tem tudo pra ser um bom cliente. No outro dia ele te liga querendo que você faça um trabalho maior, mas você já tem 50k do cliente A. Bem, o jeito vai ser virar duas noites. Acontece que duas horas depois, o telefone toca e é o cliente C, que se apresenta dizendo que tem uma parada urgente para você. Ele paga o que A+B pagam, e você pira, quer cortar os pulsos, responde quase chorando que não pode, porque nem se o dia tivesse 30 horas, você conseguiria fazer. Se fizesse, seria mal feito e perderia o cliente. Conclusão: se você não trabalhasse tanto, teria tempo de ganhar mais dinheiro!
Para quem ainda não chegou nesse ponto, reze, e se organize para não chegar nunca. Posso assegurar que é uma viagem louca, que pode terminar com consequências gravíssimas, principalmente para sua saúde (física e mental). E não duvide, é assim mesmo que funciona. Enquanto você não aprender a falar não, vão “tuchar” coisa em você, e você vai ficar cada vez mais sobrecarregado e cada vez mais culpado quando perder uma “nova oportunidade”. Você vai se submeter a uma pressão e a um estresse, que seus órgãos vão “pedir pra sair” do corpo, de tanta sobrecarga. Quando eu entrei nessa noia, era professora durante o dia e tradutora à noite. Vida pessoal(?) à parte, pra dar conta dessa jornada tripla (sim, eu rodava 24/dia, certo?), só na base da anfetamina. Aí começou um problema, que acabou comigo no hospital, quase cantando pra subir.
Entenda, o processo tem que girar ao seu redor e não você ao redor do processo. Você é o dono dessa birosca! Você está no comando da sua vida, dos seus horários. Você depende dos outros? Sim! Mas se você não se cuidar, se não usar o tempo ao seu favor, vai ter um treco e, se sobreviver, vai começar a acumular problemas de saúde e gordura. A primeira coisa pra evitar todas essas “autobarbaridades” é organizar seu tempo.
Amanhã, a parte II deste artigo traz dicas para virar esse jogo, descobertas a duras penas com a faina.
Agora eu tenho certeza que existe uma câmera na minha casa/escritório e que você anda me observando. Não, porque não é possível! O texto foi escrito pra mim. Que esqueço de sair, que esqueço de olhar pra janela (aqui do lado), que coloco o bem-estar do cliente acima do meu, que faço exercício de descando ocular (rsrsrsrs).
Sério agora: que post maravilhoso! Obrigada por tê-lo escrito e compartilhado conosco. Espero ansiosamente pelo post de amanhã. Agora vou desconecar e dar uma voltinha, quem sabe acho o vizinho que lava a calçada por aí… 🙂
Que coisa louca!! Adriana, você fez minha cabeça girar algumas vezes, como nos desenhos animados. Eu ainda estou tentando entrar na área da tradução, queimando os neurônios para descobrir como captar clientes, como mantê-los… Seu post foi esclarecedor e eu, estou aqui, nesse momento, agradecendo por ainda não ter caído nesse turbilhão de pedidos sem aprender a me organizar antes. Ufa! Aguardo ansiosa a parte II.
Oi, Adriana! Também ouvi essa frase de um amigo meu uns 5 anos atrás, mas só a compreendi por completo acho que ano passado. A situação em que ele falou a frase pra mim foi mais ou menos a que você viveu. Eu me matava de trabalhar na época, vivia para o trabalho praticamente, e ele vivia pra vida! Nunca mais o vi, mas sei que ele está bem, e preciso agradecer ainda por ele ter me dito essa frase. Existe o trabalho e existe a vida. E é assim que eu vivo hoje em dia. Muito bom seu post!
Oi, Dri,
Estava a um passo de entrar nessa roda viva. Ainda bem que acordei 🙂 Muito legal o seu texto.
Muito bom o texto, é verdade, quem trabalha demais perde oportunidades de ganhar dinheiro. Lembre-se sempre o trabalho que você executa só existe porque você está lá, o dia que você não estiver, outro irá fazer em seu lugar. Então, para que você esteja lá, é necessário que você exista. Então cuide de você, tire tempo pra você, passe a existir e não a subexistir. Parabéns pelo texto e espero a segunda parte.
Eduardo Corredor
@eduardo_runner.com.br
Gostei, Adriana! O teu texto me fez lembrar do que me disse uma ex-chefe certa feita: “Cuida da sua saúde, pois ninguém é insubstituível. Se você tiver um treco e morrer, no dia seguinte vão atrás de outro tradutor.” É por aí mesmo.
E naqueles minutinhos de pausa vamos ler alguma coisa sobre…tradução!
Ótimo texto, Adriana. Fiquei com vontade de rir porque parece que você está me observando dia e noite e com vontade de chorar porque me vi muito nesse seu relato. Acho que vou mandar tatuar a sua frase “Você é o dono dessa birosca”. Adorei, um beijo.
Excelente texto! É tão difícil mudar esse ciclo, mas estou tentando!! 🙂
Perfeito! Embora sejamos mais que privilegiados pela inteligência na escolha da profissão e motivados por um trabalho que (na maioria das vezes, espero) gostamos de fazer, essas coisas óbvias muitas vezes passam ao largo e devem ser lembradas. Eu me permito “loucuras” de desopilamento sempre que posso, principalmente viajando ;-), entre os muitos finais de semana no tronco. Também já tive meus piripaques e espero que esse texto ajude vários outros a evitar essa situação.
O ciclo vicioso é exatamente esse!! Eu nao consigo nem ter tempo de aumentar meus precos com alguns clientes, porque eles me passam muito trabalho. Outro dia uma colega me disse: o objetivo nao é trabalhar mais, e sim trabalhar menos e ganhando melhor! Eu nao consigo chegar lá porque nao consigo ter tempo de subir os precos!
É, Adriana, é isso mesmo… Parabéns pelo texto. O fato é que o trabalho também pode se tornar um vício, se a gente não tomar cuidado com os exageros. A vida ensina, por bem ou por mal. Eu aprendi por mal. Levava uma vida de cão, trabalhando em empresa de tradução oito horas por dia e fazendo freela de tradução à noite. Até que engravidei e perdi o bebê, com 12 semanas de gravidez. No meio da confusão, com cliente cobrando entrega de trabalho. E eu dolorida, por dentro e por fora, com anemia, exausta. Sacudi a poeira e resolvi que tudo seria diferente dali para frente. Por vezes eu me afasto um pouco da minha resolução. Mas tive a felicidade de ter um filho e ele me puxa para fora dessa neura. Ele vai fazer nove anos. Sempre tiro alguns dias de férias durante as férias dele. E o dinheiro sempre entra. Se não entrar na quantidade desejada, dá-se um jeito. Tem coisa mais importante na vida.
Minha querida filha virtual.
Lindo texto que me lembrou só uma piada que meu pai fez ( ou contou) sobre os workaholics: Numa lápide estava escrito: “Aqui jaz um workaholic”. Ele era um deles e sabia que a saúde tinha ido para o brejo muito cedo.
Penso que o segredo está em saber priorizar coisas na nossa vida. Assim como num balancete comum, colocar de um lado da página os prós e do outro, os contras.
PS: Vai escrever bem assim, viu?
Mamacita
Olá, Adriana! Acho importante ter uma lista de coisas para fazer quando não estamos traduzindo para não acontecer de virarmos zumbis quando não estamos trabalhando: livros, links da internet, filmes e vídeos etc.
é desse jeito msm. peguei um serviço numa sexta feira e acordei às 03:30 da manhã e virei até à 01:00 da manhã e qdo terminei todos os serviços vi q quase ñ adiantou tentar ganhar o dinheiro pq o retorno foi pouco. da vontade de chutar o pau da barraca. e a frase “quem trabalha ñ tem tempo de ganhar dinheiro” é a pura verdade.