Tradutor etc.

Há tempos sou adepto do ditado “Deus escreve certo por linhas tortas”, e ultimamente ele parece vir se revelando bastante verdadeiro na minha vida profissional. Até meses atrás, eu tinha um propósito definido. Trabalhando na minha formação original, de psicólogo, penava fazia três anos num emprego que nada tinha a ver comigo e sonhava com o dia em que conseguiria me estabelecer no mercado de tradução e dar o pulo do gato.

Então, saía atirando para todos os lados. Procurava trabalho em todos os cantos, aceitando quase todo tipo de material e qualquer pagamento, com o intuito único de ganhar experiência e acumular clientes. Não foram raras as vezes em que tive de correr contra o tempo e perder algumas horas de sono para poder cumprir prazos (cheguei a passar uma noite em claro na véspera de uma viagem para o exterior terminando um livro, e no dia seguinte fui direto da cama para o aeroporto). Esse sufoco foi até meio contraproducente, já que na maioria das vezes me trazia mais estresse do que retorno profissional e me impedia de mirar o alvo de maneira organizada e objetiva.

Nem esperava que a solução – ou pelo menos o início dela – estivesse lá dentro mesmo. Em meados de 2012, como já contei em colunas anteriores, tive a oportunidade de ser transferido para a Biblioteca da empresa onde trabalho, e não pensei duas vezes para aceitá-la. E a mudança só me fez bem.

Abro parênteses aqui para refletir sobre como essa situação mostra a importância do marketing pessoal. Logo que cheguei à empresa, apesar de ter entrado como psicólogo e designado a trabalhar no RH, tratei de deixar todos cientes da minha “segunda atividade”, embora não explicitasse o meu desejo de fazer dela a primeira. Não demoraram a surgir oportunidades de demonstrar a vocação, me tornando uma espécie de consultor informal de português e inglês para os colegas e chegando a colaborar com algumas traduções. Foi graças a isso que, quando o meu gerente soube que a da Biblioteca procurava alguém para trabalhar no serviço de tradução, não hesitou em dizer que tinha a pessoa certa para ela. Fecho parênteses.

Como eu dizia, a mudança só me fez bem. Primeiro, porque comecei a trabalhar com mais prazer. Consequentemente, passei a ir para o trabalho com mais ânimo, me relacionar melhor com os novos colegas (embora sempre tenha me dado bem com todos e feito bons amigos na antiga área), ter um desempenho melhor e ser reconhecido pela minha atuação.

A mudança também se refletiu na minha carreira externa. Mais satisfeito, tenho procurado dar novo rumo a ela, tanto na busca quanto na aceitação de trabalho. Tenho concentrado a procura por clientes nas editoras e nas áreas menos técnicas, com as quais me dou melhor, e evitado pegar serviços mais “cabeludos”, com temas que não domino e arquivos com formatação escabrosa.

O curioso é que isso tudo volta a me colocar num dilema. Antes de ir para a Biblioteca, a meta era clara: me firmar como tradutor e deixar a empresa na primeira oportunidade. Agora, sem a angústia de antes, coloquei o plano em “stand-by”. Ainda tenho como ideal poder viver como tradutor propriamente dito, porém não posso negar que estou bem. Embora não seja a minha preferência, estou numa área com a qual tenho bem mais afinidade do que antes, além de ter todas as vantagens de um emprego fixo. Enquanto isso, vou conciliando com o ideal por fora. Se no futuro vou optar pelo ideal ou pela conciliação segura, ainda não sei. Mas pelo menos já não tenho tanta pressa para decidir.

2 Respostas para “Tradutor etc.”

  1. Carolina diz :

    Parabéns, Heitor!
    Estou passando pelos mesmos conflitos de início de vida autônoma. Admito que ainda não abandono por completo o retorno a um típico emprego com carteira assinada… Mas não tenho o que reclamar: os colegas de profissão e este blog, dentre outros, têm me dado o apoio necessário para não desistir!

    Um abraço e vejo vocês no Congresso da ABRATES (?)

  2. Heitor M. Corrêa diz :

    Obrigado, Carolina!

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