O que tradutores e chaveiros têm em comum?

Outro dia estava folheando uma revista Seleções antiga e me deparei com o texto abaixo. Acho que poucas vezes me identifiquei tanto com um artigo de revista! Isso significa duas coisas: tradutores e chaveiros têm mais em comum do que imaginamos. E nada do que sofremos profissionalmente é privilégio dos tradutores. Divirtam-se [minha tradução em vermelho]!
13 coisas que seu chaveiro não vai lhe dizer
1. Não peça fiado, ninguém faz caridade! As pessoas cansam de levar calote de gente que pede para pagar depois… Não interessa se está tarde e você não foi ao banco.
Traduzindo: tradutor não tem culpa se a agência não recebeu do cliente final.
2. Quando alguém liga para um chaveiro às 2h da manhã porque ficou trancado do lado de fora do carro em frente a um bar, pode ter certeza que o serviço será cobrado em triplo. Afinal, você não deveria nem estar dirigindo alcoolizado!
Traduzindo: taxa de urgência, sim ou certeza?
3. Nada supera uma tranca bem instalada. Mas mesmo a melhor tranca do mundo não impede roubos se você a esquecer aberta.
Traduzindo: tudo pode acontecer com um PDF.
4. Se houver janela na porta ou junto a ela, ferrolhos não ajudam muito. Basta quebrar o vidro, enfiar a mão e girá-los. Tranque a porta ao deitar e tire a chave da fechadura!
Traduzindo: se o texto foi jogado no Google Translator, revisões não ajudam muito.
5. Divórcio e fechaduras são um desafio. A ex-mulher liga e diz que ficou trancada do lado de fora; vai o chaveiro, abre a porta e traca a fechadura. Depois o marido liga com o mesmo pedido. O chaveiro finge que não sabe de nada e faz o mesmo serviço de novo.
Traduzindo: 100% match!
6. Não é só a concessionária que pode tirar cópias das chaves do carro. Chaveiros especializados cobram bem mais barato. Mas depende do modelo.
Traduzindo: os preços “vareiam”.
7. A faxineira ou diarista precisa de chave? Tenha duas fechaduras: uma simples e outra com segredo mais complexo. Dê apenas a chave da primeira a quem não conhece bem. Use a segunda nos outros dias da semana.
Traduzindo: dividir trabalho, só se confiar muito no seu colega.
8. Tente abrir a porta. Já visitei casas que já estavam abertas. (Mesmo assim, será cobrado a visita.)
Traduzindo: “dar só uma revisadinha” tem seu preço.
9. Se a chave não girar na fechadura, experimente WD-40 ou spray de silicone. Às vezes os pinos ficam agarrados e isso pode resolver.
Traduzindo: às vezes o arquivo traduzido não abre, mas nem precisa importunar o tradutor. Basta fuçar umas configurações aqui e ali.
10. Se ficou trancado do lado de fora, ligue para um chaveiro só. Nunca ligue para vários, pois poderá haver concorrentes no mesmo local. E poderá acabar sem nenhum chaveiro para o serviço.
Traduzindo: ou terá que pagar a todos eles.
11. Não peça desconto em serviços baratos! Nos serviços mais complexos pode ser.
Traduzindo (ou melhor, adaptando): não peça desconto em serviços baratos, muito menos nos serviços mais complexos.
12. Não ache que o serviço é fácil e qualquer curioso pode resolver o problema. Eles detestam quando tentam resolver sozinhos e ainda dão palpite.
Traduzindo: não ache que o serviço é fácil e qualquer primo-da-tia-da-amiga-da-irmã-que-fala-inglês-porque-foi-pra-Disney pode fazer.
13. Teste bem a cópia da sua chave antes de colocar a culpa neles. Muitas vezes, o problema está no segredo. Usar a força bruta também não adianta.
Traduzindo: às vezes, é o original que é ruim mesmo. Xingar o tradutor não adianta.
Por que ninguém me diz quanto devo cobrar?

Uma reclamação geral entre os iniciantes (e, às vezes, os nem tão inciantes) é a de que os colegas de profissão não abrem o jogo sobre os valores que praticam. Bem, primeiro temos que admitir que isso mudou muito depois que se criaram comunidades online e nas redes sociais, onde os tradutores conversam bem mais abertamente sobre o assunto. Basta prestar atenção às discussões e ver que muito já foi falado sobre preços.
Porém, o mais importante para os iniciantes é entender que, na verdade, não é que os tradutores mais experientes queiram esconder suas tarifas. A questão é que os preços estão sujeitos a muitas variáveis. Por exemplo:
Tempo de experiência
Quanto mais tempo o tradutor tem de mercado, maior o seu know-how e melhor sua cartela de clientes. Seu valor praticado certamente é diferenciado. Ou seja, pode não ser parâmetro para alguém com pouca ou nenhuma experiência.
Nicho e especialização
Valores sempre variam dependendo da área em que o tradutor atua. Até dentro de uma mesma área, os preços podem variar de acordo com o conteúdo, o cliente ou o projeto mais especificamente. Além disso, se o nicho em que o tradutor atua for mais ou menos técnico, ou se ele é um dos poucos profissionais que entendem do assunto, já é motivo suficiente para os valores mudarem.
Clientes diretos x Agências x In-house
Quem trabalha diretamente com o cliente recebe um valor diferente do que quem trabalha para agências, que recebe um valor diferente do que quem é tradutor interno (geralmente, assalariado).
Tipo de texto e área de atuação
Legendagem paga um valor diferente do que localização, que paga um valor diferente do que editorial e por aí vai. Textos altamente técnicos pagam um valor diferente do que textos literários, que pagam um valor diferente do que trabalhos acadêmicos e por aí vai.
Tradução x Versão x Revisão
O tradutor não cobra o mesmo valor para tradução, versão ou revisão. Ele deve cobrar de acordo com cada tipo de tarefa que irá realizar.
Idioma
Muito provavelmente, tradutores de línguas mais raras têm menos concorrência e mais liberdade para praticar valores mais altos.
Tabela do Sintra
Eu vejo a tabela do Sintra como uma grande incógnita, porque enquanto muitos colegas dizem que é impossível praticar os valores sugeridos, outros dizem que é plenamente viável (e que até ultrapassam esses valores). Parece que depende muito mais da atuação individual do tradutor. Sendo assim, você pode usar a tabela como referência quando e como quiser, tendo em mente que no começo da carreira pode ser um pouco mais difícil aplicá-la.
Outro fator que devemos lembrar é que, numa boa parte dos casos, é o cliente que dá o valor e cabe a nós aceitar, negar ou partir para uma negociação (do próprio valor, do prazo etc.).
Além disso tudo, podemos pensar no seguinte: os trabalhadores assalariados não ficam divulgando seus salários aos quatro ventos. Será que com os tradutores, ainda que em sua maioria autônomos, deve ser diferente? Claro que uma discussão em torno dos preços é importante para o nosso mercado, até para não nivelarmos os valores por baixo. Mas há mesmo motivo para divulgarmos nossos preços detalhada e indiscriminadamente?
Tradutor: você ganha ou produz seu dinheiro?

Esses dias estive pensando sobre uma diferença essencial entre a cultura americana e a brasileira, evidenciada por duas expressões simples do inglês e do português:
make money X ganhar dinheiro
Há uma carga de autonomia completamente diferente nos verbos make e ganhar, e veremos como isso tem tudo a ver com o modo de encarar nossa profissão.
A primeira definição de make no Macmillan Dictionary é create, produce something, o que pressupõe que o sujeito é responsável pela ação. To make money significa gerar o próprio dinheiro por meio da minha oferta de serviço, do meu esforço. É o bom e velho “colocar a mão na massa”, “fazer acontecer”.
Então, qual a diferença entre “fazer dinheiro” e “ganhar dinheiro”? Ganhar significa “adquirir”, o que leva a entender que eu consigo ou conquisto algo que vem de fora, de uma outra fonte. Eu produzo esforço e trabalho, mas o dinheiro eu recebo (de outras mãos).
Às vezes acho que essa visão internalizada do dinheiro como um “presente” que se ganha é o que leva muitas pessoas a não sobreviverem na nossa profissão. A tradução é um ofício de autonomia, especialmente hoje, em que cada vez mais dispensamos as empresas e trabalhamos por nossa conta e risco. Faz muito mais sentido “fazer” nosso dinheiro, mas para isso precisamos parar de estender as mãos e mudar nosso esquema mental.
Como se faz isso? Primeiro, entendendo que ser tradutor exige ser uma mistura de administrador, contador, secretário, gerente comercial, técnico de informática e tantas outras coisas. Ou seja, que traduzir é apenas uma das facetas do nosso trabalho. Segundo, cultivando essas habilidades e as encarando como parte de um todo, e não como um fardo. Isso significa se livrar das amarras da mentalidade “trabalhador assalariado”, aquele que não decide nem apita nada, que não sabe quem são os clientes ou quanto a empresa fatura.
Ou seja: não fazemos parte de uma engrenagem. Nós somos a engrenagem. Antes de traduzir, fazemos captação de clientes, cultivamos contatos profissionais, buscamos os recursos necessários. Depois de traduzir, contabilizamos os valores, administramos as contas do mês, organizamos o escritório. Dessa forma, prefiro pensar que meu dinheiro ninguém me dá de presente. Eu simplesmente o mereço.
Autônomo de primeira viagem: o que fazer?

Muitas pessoas no início da vida de freelancer/autônomo ficam perdidas com relação a impostos, abertura de empresa e afins. Por isso hoje resolvi fazer um resumo sobre o assunto para os leitores do AP.
Lembrando que não sou especialista em contabilidade, então o exposto abaixo é basicamente tudo o que posso falar sobre isso para vocês. Espero que seja útil!
Sou obrigado a abrir uma empresa?
Não. Não ser pessoa jurídica, ou seja, não ter empresa aberta, não significa que o tradutor está trabalhando na ilegalidade, desde que ele declare seus ganhos no Imposto de Renda e pague seus impostos, bem como outras taxas que incidirem sobre o seu trabalho, como o ISS (Imposto Sobre Serviço).
Então, quais são minhas opções?
Existe o RPA, que é o recibo de pagamento a autônomo, a nota da Prefeitura, ou a opção de não passar recibo/nota e recolher os impostos pelo Carnê-leão.
A maioria das agências não exige nota, nem RPA. Já os clientes diretos (empresas), que antigamente se satisfaziam com o RPA, hoje só andam aceitando nota fiscal.
Se você ainda não tem condições de ser pessoa jurídica e emitir nota fiscal, pode trabalhar para agências nacionais e até mesmo internacionais e pagar seus impostos por meio do Carnê-leão, além de precisar verificar na Prefeitura de sua cidade sobre o pagamento do ISS.
Carnê-leão
Recolhemos pelo Carnê-leão quando recebemos de pessoa física, porque nesse caso a pessoa paga o valor integral do serviço direto para nós, sem reter o imposto. Ou, então, quando recebemos do exterior, pelo mesmo motivo.
Se for uma empresa que está nos pagando, normalmente ela nos repassa o valor já com os impostos descontados. Nesse caso, é sempre bom que fiquemos com um recibo comprovando o valor que nos foi repassado com o desconto. Caso não tenhamos, no final do ano é preciso pedir um informe para as empresas com as quais trabalhamos, a fim de comprovar que recebemos os valores já descontados (senão pagaremos o imposto duas vezes).
Como fica a aposentadoria?
Quem tem empresa aberta faz a contribuição compulsória para o INSS, mas ela não é obrigatória para pessoa física. No entanto, a pessoa física pode pagar o carnê à parte. Outras pessoas preferem investir somente na previdência privada, e há quem faça os dois.
O tradutor pode abrir empresa pelo SIMPLES?
Infelizmente, não. Veja o que diz o Sebrae, em Informações Fiscais e Tributárias:
O segmento de tradução de textos, assim entendido como os serviços de tradução, de interpretação e similares, não poderá optar pelo SIMPLES Nacional – Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (instituído pela Lei Complementar nº 123/2006), por expressa vedação legal emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, através do artigo 17, inciso XI, uma vez que configuram a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não. A vedação da opção também foi apresentada na Solução de Consulta COSIT nº 10, de 20/03/2008.
Quem pode me orientar?
Marcando uma consulta na Receita Federal, você pode obter boas informaçõesa sobre recebimentos e recolhimentos referentes a trabalhos feitos para o Brasil e o exterior, por exemplo. Informe-se na Prefeitura sobre nota e sobre o ISS. Procure também um contador de muita confiança e consulte pelo menos uns três para ver qual entende melhor do assunto. Assim, você pode se informar com calma e segurança sobre abrir a sua própria empresa.
Onde posso ler mais sobre o assunto?
Receita Federal:
Pagamento do Imposto de Renda Pessoa Física
Finanças práticas:
Como abrir uma empresa?
Programe-se para a temporada do IR 2012 e evite correria
Você S.A.
Traduzindo a previdência
O plano ideal para você
Efetividade.net:
Como declarar o imposto de renda de autônomos
Colhendo os frutos de 2011

Instant change is a myth and a dangerous one at that. We are brought up on a culture that demands immediate gratification and sudden wealth. The flip-side of this belief is often a deep-seated, nagging frustration that our effort does not yield immediate results.
Quando a gente se propõe a dar novos rumos para a carreira, a palavra-chave é paciência. Mudanças podem ser feitas repentinamente, mas seus frutos se colhem apenas quando o ciclo do cultivo está completo. Não existe colheita antes do tempo certo.
Quem acompanha o Ao Principiante, talvez lembre desse meu artigo. Foi quando escrevi sobre as mudanças na minha vida profissional. Elas começaram a tomar forma não em fevereiro de 2011, quando o artigo foi publicado, mas sim em dezembro de 2010.
Ou seja, um ano se passou. Na época, eu mal conseguia imaginar onde estaria no dezembro seguinte. Mas ele chegou, e rápido. Em parte porque não esperei colher os frutos das minhas decisões no dia seguinte. Tivesse eu feito isso, talvez hoje achasse que o ano passou devagar.
É aqui que mora o segredo, e onde entra a frase que abre este artigo: resultados instantâneos raramente acontecem. Tudo que colhemos é fruto de esforço, suor, trabalho, decisões. E essas coisas levam tempo. Começam como sementes, que germinam e crescem para somente depois amadurecerem e caírem em nossas mãos. No meio tempo, exigem que reguemos as folhas, afofemos a terra, adubemos o solo.
Se você está começando sua vida como tradutor, ou se está num momento da carreira que exige mudanças, não esqueça que o ciclo do seu cultivo tem hora certa para terminar. Colha seus frutos quando estiverem maduros, é muito mais saboroso.
E eis aqui um dos frutos que andei colhendo este ano e gostaria de compartilhar com vocês. É de uma importância ímpar para mim, por ser meu primeiro trabalho na área editorial e, acima de tudo, o primeiro como freelancer. É a revisão (em conjunto com Alessandra Barros) da tradução de Martha G. da Cruz e Isabel Vidigal do livro Agulhas e Linhas, da Publifolha.
Mais sobre especialização
Vocês devem ter lido o artigo que escrevi sobre como o iniciante pode buscar uma área de especialização.
Como um excelente complemento, li o artigo 6 steps to develop a translation specialization and make it work, do site Intercultural Zone.
Abaixo, destaco e comento algumas das partes que considerei mais interessantes:
Developing a new area of specialization is a serious commitment.
Sim, especialização é coisa séria. Uma vez que você escolheu uma área e se esforçou para conseguir trabalhar nela, por que você mudaria de ideia e começaria tudo de novo em uma outra área? Valorize seu tempo e seus esforços analisando os prós e contras seriamente antes de começar a jornada.
Is the demand for this area of specialization durable, or is it some fly-by-night trendy craze businesses will ignore in a year or two?
Cuidado com os modismos! Nunca escolha uma área de especialização somente porque ela é a bola da vez, ou porque todos falam que dá muito dinheiro. O calor do momento pode não ser duradouro.
Figure out what you need to invest in, what that is going to cost, how you are going to fund these investments, over what period of time.
Lembram-se de que falei sobre ir a eventos e fazer cursos da área de interesse? Tudo isso terá um custo. Então, encare esse custo como investimento. Investir pressupõe que teremos um retorno, certo? Não gaste seus recursos se não for para colher os frutos mais tarde.
Sniffing around is fun and important. Attending trade shows, demos, playing mystery customer and so on are great ways to discover the culture and the environment of the field you seek to become involved with. Who are the players? What are they like?
Uma área de especialização é formada, primeiramente, por pessoas. Ou seja, além do conhecimento técnico sobre o assunto, precisamos nos conectar com as pessoas envolvidas com ele. Quem são? Qual o perfil delas? Identifico-me com elas? Sinto-me bem entre elas? Lidamos com pessoas o tempo todo, então não subestime todas essas questões antes de se atirar de cabeça na especialização.
Find specialized colleagues for insider advice, mentoring, resources that didn’t hit your radar yet.
Se pararmos para pensar, temos modelos para tudo na vida. Sempre nos espelhamos em quem mais admiramos e isso é ótimo, pois aproveitamos as coisas boas que as pessoas têm nelas em nós mesmos. Podemos agir de forma semelhante na vida profissional, escolhendo bem nossos modelos e aprendendo com a experiência deles. E não somente com relação à àrea de especialização em si, mas também à ética e postura profissional.
Leiam o texto completo do Intercultural Zone, vale a pena!
6 steps to develop a translation specialization and make it work