Os manuais, a leitura e a escrita na tradução

Depois de ter escrito o artigo Crie seu próprio guia de estilo, ocorreu-me que seria interessante falar também sobre a escrita na tradução de modo mais geral.
Todos sabemos que manter a padronização de termos numa tradução, principalmente na técnica, é essencial e confere qualidade superior ao texto. Mas a padronização em si é apenas uma pequena fatia do produto final, já que um texto não se limita apenas a convenções terminológicas ou ortográficas.
Para entender melhor, vou usar alguns textos do filósofo Olavo de Carvalho. Cito abaixo trecho de A arte de escrever, Lição 1: Esqueça o Manual de Redação. Lembrando, antes, que 1) o autor discorre sobre a produção de textos originais, e não de traduções; 2) o texto foi escrito tendo em mente o contexto jornalístico, portanto, guardemos as devidas proporções e ressalvas; e 3) ainda que não fale de tradução propriamente dita, o texto ajuda a entender a importância de saber escrever e de como escrever, e isso, claro, diz muitíssimo respeito à atividade tradutória.
Vamos ao trecho, então:
A padronização pode ser um mal inevitável. Mas para que exagerar, vendo nela um bem absoluto, o modelo mesmo de boa escrita? (…)
Normas de redação, se estatuídas, devem ser apresentadas, com toda a modéstia, como convenções práticas, neutras, nem melhores nem piores que quaisquer outras, e nunca como padrões de “bom gosto”, “elegância”, etc., que são valores de estética literária muito mais sutis do que aquilo que esse gênero de manuais está em condições de delimitar. Os manuais deveriam ater-se, o quanto possível, a aspectos exteriores e “materiais” da escrita, como ortografia, abreviaturas, padronização de nomes, evitando pontificar sobre estilo ou, pelo menos, opinando nisto com extremo cuidado e tão somente em nome da conveniência utilitária, não da estética.
A primeira questão é que, realmente, a forma (“ortografia, abreviaturas, padronização de nomes”) é diferente do estilo (“‘bom gosto’, ‘elegância’, etc., que são valores de estética literária”), então talvez seja um pouco equivocado se falar em “manual/guia de estilo”. Talvez o mais adequado fosse “manual/guia de padronização”, ou algo semelhante.
A segunda questão é muito importante para o tradutor. Quando o autor diz “Mas para que exagerar, vendo nela [na padronização] um bem absoluto, o modelo mesmo de boa escrita?”, resta claro que a padronização terminológica ou ortográfica de um texto não basta para que ele seja bom. Levando isso para a atividade tradutória: ainda que a terminologia e os aspectos formais da língua estejam uniformizados na tradução, há muito mais que devemos fazer para ser ela considerada uma tradução de qualidade. Trata-se da “estética literária”, das sutilezas da língua e do estilo.
É claro que a questão de estética terá níveis diferentes dependendo do que traduzimos. Traduções de textos técnicos exigem menos esforço literário, digamos assim, do que as de contos, crônicas ou poemas. Creio que vocês entendem a diferença.
Agora, para desenvolvermos um texto que não apenas gire em torno da uniformização terminológica, mas que tenha também riqueza de vocabulário, ausência de ambiguidades ou termos equivocados, ideias concatenadas (entre si, e entre a tradução e o original), adequação etc. é preciso saber escrever bem. E para escrever bem, voltemos à velha máxima: é preciso ler. O tradutor lê o tempo inteiro, mas é fato que, se ele ficar restrito às leituras de trabalho, será cada vez mais difícil enriquecer não só seu vocabulário, como também seu imaginário. Até porque, nem tudo que nos cai nas mãos para traduzir é bem escrito ou tem bom conteúdo.
Cito mais um trecho de A Arte de Escrever… (grifo meu):
A amoldagem da cabeça humana a um conjunto de normas práticas, não contrabalançada pela consciência do caráter meramente convencional dessas normas, pode produzir nela uma verdadeira mutilação intelectual, tornando-a, a longo prazo, incapaz de compreender e apreciar o que quer que esteja fora do padrão costumeiro. A quase absoluta incapacidade para a leitura de textos mais abstratos, de filosofia e ciência, por exemplo, que observo em tantos de meus colegas, não resulta de nenhuma deficiência congênita, mas do costume adquirido de lidar com uma só das dimensões da linguagem, deixando atrofiar a sensibilidade para todas as demais: o hábito da escrita plana e rasa produz a leitura plana e rasa.
Quando falamos de traduzir, não falamos somente da transposição de ideias de uma língua a outra, mas também de como essa transposição é feita, e seu meio é a escrita. Isso quer dizer que escrever não pode ser considerado um ofício menor do que o ato de traduzir em si. Ao contrário: escrever é o meio de que se vale para fazer tal transposição sendo, portanto, parte essencial e mais visível do trabalho do tradutor. Afinal, o leitor não terá acesso ao original e não fará uma análise de nossa transposição de ideias. O que ele tem em mãos é o produto final, um texto pronto, escrito em seu idioma materno.
Mas para que a escrita, de modo geral e na tradução, seja bem desenvolvida, não basta ler. É preciso saber ler. Em Aprendendo a escrever, Olavo de Carvalho adverte:
A seleção das leituras supõe muitas leituras, e não haveria saída deste círculo vicioso sem a distinção de dois tipos: as leituras de mera inspeção conduzem à escolha de um certo número de títulos para leitura atenta e aprofundada. É esta que ensina a escrever, mas não se chega a esta sem aquela. Aquela, por sua vez, supõe a busca e a consulta. Não há, pois, leitura séria sem o domínio das cronologias, bibliografias, enciclopédias, resenhas históricas gerais. O sujeito que nunca tenha lido um livro até o fim, mas que de tanto vasculhar índices e arquivos tenha adquirido uma visão sistêmica do que deve ler nos anos seguintes, já é um homem mais culto do que aquele que, de cara, tenha mergulhado na “Divina comédia” ou na “Crítica da razão pura” sem saber de onde saíram nem por que as está lendo.
Portanto, não é “ler de tudo” o que realmente nos faz aprender a escrever bem, mas sim a seleção que fazemos dentro desse “tudo”. É tarefa difícil, mas tendo consciência de que existem esses dois tipos de leitura, fica mais fácil nos atermos àquelas que nos serão mais úteis.
Para quem quer ser escritor, no mesmo texto o filósofo dá um conselho que nós, tradutores, podemos aproveitar, já que, em certa medida, somos também escritores:
Mas a aquisição do código supõe, além da leitura, a absorção ativa. É preciso que você, além de ouvir, pratique a língua do escritor que está lendo. Praticar, em português antigo, significa também conversar. (…)
Ou seja, para escrever bem, além de ler bem, é preciso praticar. Isso envolve, também, a tradução. Para se traduzir bem, só com a prática. E essa prática é algo contínuo, que não termina nunca. A vatangem da nossa profissão é que, quanto mais velhos e experientes ficamos, mais valor temos. Enquanto um atleta vê seu corpo e seu desempenho declinarem com o tempo, um tradutor vê sua mente cada vez mais em expansão. E, com as constantes leituras e exercícios de escrita e tradução, maior é sua capacidade de construir um texto rico, coeso e coerente, porque maiores são suas referências e experiência de mundo.
Isso pode se dar de muitas formas, desde traduzir textos de assuntos ou autores que nos interessam nas horas vagas, até arriscar a escrever textos literários em um blog. Há também um tipo de exercício que Olavo de Carvalho indica como método para aprimorar a escrita, que é o da imitação. Pegar um autor que gostemos (por exemplo Eça de Queiroz, Manuel Bandeira, Clarice Lispector etc.) e escrever imitando seu estilo. Segundo ele,
A imitação é a única maneira de assimilar profundamente. Se é impossível você aprender inglês ou espanhol só de ouvir, sem nunca tentar falar, por que seria diferente com o estilo dos escritores? (…) imitando um, depois outro e outro e outro mais, você não ficará parecido com nenhum deles, mas, compondo com o que aprendeu deles o seu arsenal pessoal de modos de dizer, acabará no fim das contas sendo você mesmo, apenas potencializado e enobrecido pelas armas que adquiriu.
Assim, não é difícil notar que fazer boas traduções pressupõe esforço contínuo: seja seguindo com cuidado as regras de padronização, seja desenvolvendo nossa capacidade cognitiva por meio de boas leituras ou aprimorando nossa escrita com exercícios práticos. O conjunto de todas essas coisas, aliado ao cuidado com o texto original e com a profissão em si, é o que faz um tradutor caminhar cada vez mais para a completude.
Mais sobre especialização
Vocês devem ter lido o artigo que escrevi sobre como o iniciante pode buscar uma área de especialização.
Como um excelente complemento, li o artigo 6 steps to develop a translation specialization and make it work, do site Intercultural Zone.
Abaixo, destaco e comento algumas das partes que considerei mais interessantes:
Developing a new area of specialization is a serious commitment.
Sim, especialização é coisa séria. Uma vez que você escolheu uma área e se esforçou para conseguir trabalhar nela, por que você mudaria de ideia e começaria tudo de novo em uma outra área? Valorize seu tempo e seus esforços analisando os prós e contras seriamente antes de começar a jornada.
Is the demand for this area of specialization durable, or is it some fly-by-night trendy craze businesses will ignore in a year or two?
Cuidado com os modismos! Nunca escolha uma área de especialização somente porque ela é a bola da vez, ou porque todos falam que dá muito dinheiro. O calor do momento pode não ser duradouro.
Figure out what you need to invest in, what that is going to cost, how you are going to fund these investments, over what period of time.
Lembram-se de que falei sobre ir a eventos e fazer cursos da área de interesse? Tudo isso terá um custo. Então, encare esse custo como investimento. Investir pressupõe que teremos um retorno, certo? Não gaste seus recursos se não for para colher os frutos mais tarde.
Sniffing around is fun and important. Attending trade shows, demos, playing mystery customer and so on are great ways to discover the culture and the environment of the field you seek to become involved with. Who are the players? What are they like?
Uma área de especialização é formada, primeiramente, por pessoas. Ou seja, além do conhecimento técnico sobre o assunto, precisamos nos conectar com as pessoas envolvidas com ele. Quem são? Qual o perfil delas? Identifico-me com elas? Sinto-me bem entre elas? Lidamos com pessoas o tempo todo, então não subestime todas essas questões antes de se atirar de cabeça na especialização.
Find specialized colleagues for insider advice, mentoring, resources that didn’t hit your radar yet.
Se pararmos para pensar, temos modelos para tudo na vida. Sempre nos espelhamos em quem mais admiramos e isso é ótimo, pois aproveitamos as coisas boas que as pessoas têm nelas em nós mesmos. Podemos agir de forma semelhante na vida profissional, escolhendo bem nossos modelos e aprendendo com a experiência deles. E não somente com relação à àrea de especialização em si, mas também à ética e postura profissional.
Leiam o texto completo do Intercultural Zone, vale a pena!
6 steps to develop a translation specialization and make it work
Admirável mundo novo

Desde o início da minha vida profissional como tradutora, o máximo de literatura que traduzi foram os e-mails do meu ex-chefe e uma brochura sobre as Baianas de Acarajé. De resto, os textos que paravam nas minhas mãos iam ficando cada vez mais técnicos.
Até que no início desse ano comecei um curso de formação de tradutores voltado à literatura e filosofia. Além das leituras e discussões interessantíssimas sobre a tradução e o papel do tradutor, passamos também a traduzir pequenos parágrafos como exercício.
A partir de então, descobri como a tradução pode ser ainda mais incrível e admirável! Nunca havia pensado muito sobre a importância da etimologia ao traduzir, sobre simbologia e uma série de outras coisas que geralmente não fazem parte do universo das traduções técnicas. Sim, eu descobri um mundo totalmente novo!
Aliado a isso, chegou meu primeiro trabalho da área editorial. Com afinco, tento aplicar o que vejo no curso à minha tradução. Este livro, em parceria com um colega tradutor, não é Shakespeare. Mas tem sido um belo desafio desbravar a linguagem coloquial, os inúmeros adjetivos e gírias, as diferenças culturais e as referências obscuras para mim. E também uma oportunidade maravilhosa de sair um pouco das amarras da tradução técnica e de seus glossários sisudos.
O incrível de ser tradutor é isso: a cada novo trabalho, nos deparamos com coisas sobre as quais nunca pensamos. Começamos a prestar atenção àquilo que, antes sem importância, agora é fundamental para a qualidade do trabalho. Descobrimos em nós a capacidade de aprender sempre mais e a facilidade com que nos adaptamos a novas situações. É, realmente, descobrir uma América a cada dia!
Por isso que hoje, e todo dia, é um feliz dia do tradutor!
Especialização

Como ser um tradutor especializado? Quando se especializar? A especialização é obrigatória?
Essas são perguntas que muitos tradutores iniciantes se fazem. As respostas, como sempre, não vêm prontas. Como já sabemos, a tradução, sendo um mercado tão variado e extenso, permite trilhar diversos caminhos. Não é diferente com a especialização. Vejamos, então, quais são os diferentes rumos que levam à especialização e o que ela significa para o tradutor.
Ter formação em outra área
Quando uma pessoa escolhe ser tradutora depois de ter se formado em outra área, especializar-se é um caminho natural. Um engenheiro que vira tradutor já tem o conhecimento técnico necessário para traduzir textos da área, pois vivenciou experiências nela e se acostumou com os termos e jargões do setor. Ao buscar novos clientes, ele vai se concentrar naqueles que estejam envolvidos com a indústria. Seu trabalho será mais fácil quanto à pesquisa, porque com os conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação, não será necessário procurar todos os termos técnicos e específicos do texto. No geral, sua remuneração será melhor, já que nem todos podem oferecer a qualidade técnica que ele oferece. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que a tradução em si também exige conhecimentos específicos e que não basta conhecer engenharia e inglês para traduzir com qualidade. É preciso aperfeiçoar continuamente as habilidades com a língua e o texto.
Buscar áreas de afinidade
Para quem escolheu a tradução como primeira formação, o caminho para a especialização é um pouco mais longo. Com os conhecimentos linguísticos e tradutórios em mãos, o tradutor iniciante depara-se com um mundo de áreas e assuntos para serem traduzidos. O que acontece é que o tradutor iniciante começa traduzindo de tudo. Não é o ideal, mas é uma realidade que não se pode negar. Afinal, como ele vai saber quais são os melhores tipos de texto para o seu perfil? O principiante é, antes de tudo, um generalista. Depois de ter tido contato com inúmeros textos, ele começa a se identificar com alguns tipos. A partir dessa descoberta é que ele vai buscar clientes que estejam inseridos nos setores de que mais gosta. Vale também fazer cursos sobre o(s) assunto(s) de maior interesse e participar de eventos da(s) respectiva(s) área(s). Não é um passo fácil, é preciso ter paciência. Mas mantendo o foco, as coisas acontecem.
Acasos e coincidências
Outro modo de se especializar é o puro acaso. Às vezes começamos a traduzir para um cliente que manda sempre um certo tipo de texto. Ele gosta do nosso trabalho e continua mandando textos sobre aquele assunto. Vamos acumulando conhecimentos sobre a área, formando glossários, e fica cada vez mais fácil traduzi-la. Está dado o primeiro passo para a especialização. Daí podemos passar a procurar outros clientes com as mesmas necessidades. É claro que pode acontecer de fazermos um bom trabalho em determinada área, ma simplesmente não gostarmos dela. Essa é a hora de mudar o foco e tentar seguir outro rumo.
Especializar-se no tipo de texto ou no tipo de tradução?
Precisamos lembrar também que além de diferentes tipos de texto, há diferentes tipos de tradução. O que você gostaria de fazer: legendar, traduzir livros de ficção, interpretar em eventos, fazer localização de software? São escolhas importantes, pois nem sempre um bom tradutor é um bom intérprete, por exemplo. São tipos de tradução que exigem habilidades e técnicas distintas. Mas também não são áreas excludentes. Muitos tradutores de legenda também traduzem textos técnicos, muitos intérpretes fazem tradução escrita, e por aí vai. Escolher entre tipo de texto e tipo de tradução é uma escolha conjunta, que vamos fazendo conforme adquirimos mais experiência.
A especialização é obrigatória?
Aqui vai uma opinião sincera: nada é obrigatório. Existem, sim, caminhos que são mais naturais, ou mais fáceis, ou mais óbvios. O importante é traduzir com qualidade. Dizer “eu gosto de traduzir de tudo” é uma cilada, porque até esse “tudo” tem um limite. Dificilmente uma pessoa gosta tanto de física nuclear quanto de religiões orientais. Se você não quer se especializar em um único assunto, não é tanto um problema. Apenas delimite o seu “tudo”. Escolha algumas áreas de que gosta mais e concentre-se nelas.
Vantagens e desvantages da especialização
Quando o tradutor se “ultra-especializa” e fica conhecido no setor por isso, dificilmente os clientes irão procurá-lo para fazer outros tipos de tradução. De certo modo, fechar muito as opções pode ser limitador. É uma desvantagem querer se aventurar em outras áreas e não ter a chance. Por outro lado, a vantagem do tradutor bem especializado é não ter que lidar com uma ampla concorrência e poder elevar o patamar de seus preços consideravelmente. Ele sendo bom, os clientes pagarão. Mas vale lembrar que se especializar visando somente o lado financeiro pode ser um tiro no pé. Ninguém é feliz fazendo o que não gosta, só para ganhar bem. Dinheiro é consequência, não causa.
O estresse de cumprir o prazo com qualidade

Olá, pessoal!
Estou de volta com a dúvida de uma leitora que recebi por e-mail. Tenho certeza de que, senão todos, a maioria dos iniciantes passam pela mesma coisa, então resolvi responder por aqui.
Se vocês estão passando por dificuldades semelhantes, seria muito valioso se relatassem suas experiências lá nos comentários. Em fases complicadas, é muito bom saber que não estamos sozinhos, não é?
Fiz o curso de Letras/Tradução (Francês) e possuo o curso completo da Aliança Francesa, portanto posso dizer que tenho um bom conhecimento da língua estrangeira da qual traduzo (o francês) e um bom conhecimento também do português. Recentemente fiz também um curso de Especialização em Tradução. Posso dizer que conheço bastante a teoria da tradução. Entretanto quando se trata de pôr isso em prática no Mercado de Trabalho da Tradução, a coisa se torna muito complicada. Já tive uma curta experiência em agência de tradução e tive muita dificuldade de conciliar a qualidade do trabalho à quantidade de laudas que tinha que produzir por dia. Como cumprir o prazo de entrega é sempre muito importante, acabava pecando na qualidade do meu trabalho. Acabei não suportando a frustração de não estar realizando um bom trabalho (como se aprende na Universidade) e o trabalho sob pressão. Como posso resolver esta questão, já que não gostaria de abandonar anos de estudo e dedicação à Tradução e partir para outra área.
Essa, sem sombra de dúvidas, é uma das maiores frustrações dos tradutores. Acredito que todo tradutor já passou ou irá passar por isso um dia. Não há uma fórmula mágica para responder a essa pergunta, mas posso deixar aqui minha opinião com base em experiências passadas.
A qualidade do trabalho é sempre mais importante do que o prazo. É nisso que devemos acreditar, ainda que as agências ou outros clientes digam o contrário ou queiram nos forçar a acreditar que não é. A qualidade do trabalho é o nosso produto final e nosso cartão de visitas, é o que fica. Ninguém, depois que você entrega uma tradução, pensa no tempo que você teve para fazer, nem nas condições, nem no prazo. E, consequentemente, ninguém vai relevar erros e inconsistências que aparecerem como resultado disso.
Por outro lado, como devemos proceder quando tantas agências exigem de nós prazos irreais? Como lidar com condições nada razoáveis? Minha opinião é: negociar. Sempre.
Primeiro, tenha uma ideia de quanto você consegue produzir por hora, por exemplo. Quantas palavras você consegue traduzir por hora? Qual o seu rendimento para tradução, versão e revisão? Quantas horas você consegue ou tem disponível para trabalhar por dia? Sabendo como é sua produção e seu ritmo, fica mais fácil avaliar se o prazo que a agência está requisitando está dentro ou fora dos padrões (o seu e o do mercado – se uma agência pedir 30 mil palavras em um dia, não é só você que não conseguirá cumprir essa meta, mas provavelmente nenhum outro tradutor).
Não há problemas em tentar negociar o prazo. Simplesmente explique que o prazo pedido não é possível de ser cumprido e diga em que data poderá entregar a tradução (faça isso sempre ANTES de confirmar o trabalho; renegociar prazos durante o trabalho, só em casos excepcionais). Muitas vezes, os iniciantes têm medo de contrariar a agência e de perder o trabalho. Tratando do assunto com cordialidade (pois negociar não significa xingar o cliente porque ele não tem noção do que está pedindo, embora às vezes dê vontade ;)) é possível ainda conseguir o trabalho. A agência pode querer passar a outra pessoa, e a gente precisa aceitar que isso também acontece. Mas também precisa entender que nem sempre essas negativas são ruins para nós. Pode ser que apareça uma outra oferta de trabalho com melhores condições (que você não poderia aceitar caso estivesse se descabelando para cumprir o prazo da outra). Ou que essa mesma agência volte para você futuramente com melhores prazos, pois percebeu que não adiantou passar para outro tradutor, que aceitou as condições mas fez um trabalho muito ruim.
Outro ponto: não somente as agências podem fazer exigências. O tradutor também pode. O prazo é apertado e o arquivo está em PDF difícil de converter? Peça que mandem o arquivo já convertido e formatado para poupar tempo da tradução (e que o prazo só comece a correr a partir do recebimento deste arquivo). São pequenas (grandes) coisas como essa que mostram para os clientes que somos profissionais e que não podemos aceitar qualquer condição sem que respeitemos as nossas próprias.
Quando saímos do meio acadêmico, encontramos um mundo muito diferente lá fora. Eu também senti isso e, com medo, demorei para me arriscar no mercado. Acho que já contei aqui que depois de ter me formado em tradução fui fazer jornalismo, e hoje vejo que foi por fuga, por insegurança. Justamente pelo fato de não saber encaixar as teorias na prática. Então, por experiência própria, eu digo: não é preciso desistir da tradução. O medo é normal no começo e, com o tempo, a gente vai se acostumando com o mercado, com o que ele exige de nós e com o que podemos exigir dele também. E isso em qualquer profissão.
As teorias que aprendemos na faculdade são ótimas porque ficam internalizadas em nós. São elas que nos dão noção do que podemos e devemos fazer na hora de traduzir, que aperfeiçoam nossa tradução. Porém, as teorias estão na base do que somos como tradutores, mas constituem uma parte pequena da nossa totalidade. Ou seja, um tradutor é a soma do que ele aprendeu e do que ele pratica como profissional perante o mercado, os colegas de trabalho, os clientes, as agências.
Todos nós, experientes ou não, temos que conciliar tudo isso no cotidiano da profissão. Muitas vezes é frustrante, a gente se decepciona, se desanima. Mas, com o tempo, conseguimos encontrar o equilíbrio entre todas essas coisas. É difícil de acreditar nisso quando estamos no meio do turbilhão. Mas persevere e você verá que, assim como muitos, você também vai conseguir.
Consegui! E agora?

Você estudou, se informou, participou de eventos, conversou com colegas da profissão, enviou currículos, fez testes e, finalmente, conseguiu a primeira oportunidade de traduzir profissionalmente. E agora?
Preparar. Apontar. Valendo!
Se você achou que conseguir a primeira oportunidade era o objetivo final, enganou-se. Esse, sim, é o verdadeiro começo. É agora que você vai começar, de fato, a se profissionalizar. Afinal, é a prática que aprimora os estudos, e é com ela que realmente aprendemos.
Não basta traduzir…
…tem que entregar um serviço completo. Desde o bom atendimento ao cliente até um produto final de boa qualidade. O tradutor profissional não se limita a apenas traduzir. Ele precisa ser um profissional completo, e isso significa saber relacionar-se com o cliente, revisar a tradução para deixá-la coesa e sem erros, manter a formatação do texto original, cumprir os prazos, e tudo o mais que o serviço exigir.
Coração de estudante
O tradutor não pode parar de estudar. Não importa: cursos de especialização, leituras, estudos autodidatas, participação em seminários, troca de ideias com outros profissionais, reciclagem. Nunca deixe de pesquisar, estudar e se envolver com os assuntos que mais lhe interessam profissionalmente. Quanto mais, melhor!
Xô, tentação
Ainda que seu primeiro cliente tenha prometido um bom volume de serviços, você nunca sabe o dia de amanhã. Resista bravamente à tentação de sentar no sofá e parar de procurar outros clientes. Sua ascensão profissional não pode depender de um cliente só, e você não vai ficar conhecido no mercado se não diversificar seus serviços.
Felizes para sempre?
Avalie TODAS as opções, SEMPRE. Ainda que você tenha conseguido um emprego de tradutor com carteira assinada, não caia no erro de achar que um salário no final do mês é garantia de sucesso profissional. Nunca deixe de se informar sobre o que acontece no mundo dos tradutores autônomos, pode ser que depois de ganhar experiência na empresa, sua chance de consolidação profissional esteja fora dela. Ou, se você começou como freelancer, não descarte a possibilidade de trabalhar com contratos temporários ou meio período em uma empresa/agência.