Tradutor, etc.
Antes que o prazo acabe, aqui estou eu para continuar narrando minha saga de traduzir e trabalhar ao mesmo tempo.
Como assim “traduzir e trabalhar”? Calma, eu falei de propósito. Pois é, muita gente acha que traduzir é uma tarefa fácil e automática, basta saber um segundo idioma para pegar um texto e convertê-lo ao português, por isso a tradução é apenas um bico ou hobby, não uma profissão. A experiência, no entanto, mostra o contrário.
Quando recebi do Daniel o convite para dividir a tradução do livro, fiquei hesitante. Ingressar na área editorial era meu grande desejo, mas me parecia uma meta mais distante, para a qual eu só estaria pronto quando pudesse me dedicar exclusivamente à profissão de tradutor. Não sabia se, tendo só o período noturno disponível, daria conta do prazo nem do nível de transpiração que a missão me exigiria. Porém a oportunidade falou mais alto e a hesitação não durou mais que um ou dois dias.
Quando se inicia um trabalho de tradução (após os acertos burocráticos com o cliente, que não são o foco aqui), especialmente um de grande porte como um livro, é preciso projetar o que vem pela frente. Em primeiro lugar, as condições gerais, como o prazo de entrega, nossa capacidade de produção diária, a conciliação com outros projetos e outras atividades, a complexidade do texto a ser traduzido e as especificações técnicas.
Um dos fatores que mais nos deram trabalho foi o ajuste às instruções dadas pela editora, como a forma de tradução de tabelas e legendas, o que fazer com alguns nomes próprios e, principalmente, a instalação do modelo de lauda para o Word, que tinha de ser renovado periodicamente. Tudo isso deve ser pensado minuciosamente quando se examina o trabalho.
Ao se encarar o texto propriamente dito, também é preciso estar preparado para tudo. Imagine que você recebeu um livro de Psicologia para traduzir. Você tem formação de psicólogo e, portanto, familiaridade com a maioria dos conceitos abordados pelo autor. Problema resolvido?
Ao longo do trabalho, fui esbarrando em diversos assuntos totalmente diversos. Por exemplo, em um dado capítulo, para falar sobre sensação e percepção, o autor aborda os cinco sentidos do corpo humano, descrevendo tim-tim por tim-tim as estruturas e o funcionamento dos olhos, dos ouvidos etc… Achei que tinham me dado por engano um livro de Ciências!
Também não são raras as referências a esportes típicos dos Estados Unidos, como o beisebol e o futebol americano (a única menção ao nosso futebol é ao feminino). E lá fui eu ter que descobrir o que eram um pitcher, um halfback, e por aí vai. Isso ilustra a importância da cultura geral do tradutor.
E isso para não falar da corrida contra o tempo, especialmente para quem tem poucas horas por dia – ou melhor, por noite – para dedicar à tradução. (Ai!… Desculpem, é o prazo mordendo meus calcanhares.) Até porque, num projeto de vários meses, nem sempre é fácil manter o ritmo ao longo de todo o trabalho. Há dias em que temos várias coisas para fazer, ocorrem imprevistos ou simplesmente bate aquele cansaço…
Por essas e por outras, o ofício de tradutor, apesar de muitas vezes prazeroso e estimulante (quando se tem um bom texto em mãos!), nada tem de simples. É bom estar sempre ligado.
Heitor M. Corrêa
Escreve muito bem esse rapaz! 😛
😉