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Medo de ser tradutor? Tem cura!

Depois que contei sobre como virei tradutora lá no Multitude e de como, inicialmente, tive medo de me atirar na profissão, algumas pessoas me perguntaram: como perder esse medo?

É natural que o recém-formado ou novato na profissão sinta insegurança. Mas há alguns modos de lidar com ela e tomar coragem para investir na vida de tradutor. Confira abaixo:

1) Entenda o mercado e o ofício de tradução

Não saber direito como funciona o mercado ou o cotidiano da tradução é a fonte da maioria dos medos do tradutor novato. Como ele vai saber o que esperar e como agir se não conhece os meandros da profissão?

Pesquise e leia muito sobre o que faz parte do mundo tradutório: como trabalha um tradutor, regime CLT e autônomo,  valores cobrados, produtividade e ergonomia, tipos de clientes/pagamentos, tipos e formatos de serviço, exigências e qualificações e por aí vai. Não deixe nada de fora.

2) Identifique seu medo

De que, exatamente, você tem medo? De não saber traduzir com qualidade? De ser seu próprio patrão? De não ter disciplina com o dinheiro? De negociar com clientes? Uma mistura de tudo isso?

Todos nós temos pontos fracos. Além de identificar o que mais aflige você, procure perceber  também em quais dessas áreas você teria mais dificuldade, para atacá-las primeiro.

Além disso, faça uma análise mais fria: seus medos têm fundamento real? Ter insegurança é normal em todo começo de carreira e algumas delas são perfeitamente contornáveis. Saiba diferenciar uma simples insegurança de uma dificuldade real. Ter dificuldades em determinadas áreas não significa que você não serve para ser tradutor. Quer dizer apenas que precisará preencher as lacunas que se apresentarem no início.

3) Prepare-se

Para preencher essas lacunas e se sentir realmente preparado para o mundo real da tradução, é preciso a) se informar e/ou b) se aperfeiçoar.

Se você tem dificuldades em entender como é ser um profissional autônomo, por exemplo, pode ler blogs de tradutores que falam sobre isso, consultar sites como o do Sebrae, conversar com um contador, falar com administradores e donos de negócios próprios que você conheça e por aí vai.

Se você sente que ainda precisa aperfeiçoar a língua com a qual vai trabalhar, inscreva-se num curso ou estude sozinho, leia muito, pesquise. Hoje o que não falta é material disponível!

4) Saia da bolha

Ler, pesquisar, se informar… Tudo isso é essencial, mas pode não ser o suficiente para se ter noção da realidade do mercado. Para ter uma ideia mais fundamentada sobre o cotidiano de trabalho do tradutor, só mesmo conversando com outros tradutores.

Participe de grupos e listas de discussão, converse e tire dúvidas com tradutores mais experientes, compareça a eventos, mostre-se interessado. É nesse momento, quando se aproxima dos colegas tradutores, que você deixa de ter uma visão romântica da profissão e passa a encará-la como uma verdadeira ocupação. E, consequentemente, perde medos oriundos da simples falta de informação.

Além disso, conversar com quem já está inserido no mercado ajuda a entender a ética da profissão, os principais problemas que os tradutores enfrentam, as melhores práticas do mercado, de quais ferramentas precisa um tradutor etc..

Atire-se!

A tradução e os novos formatos de educação

Tenho pensado bastante sobre como muitos formatos da educação hoje não se aplicam a novas profissões, ou a profissões que se desenvolveram de tal maneira que os formatos mais rígidos não conseguiram acompanhar. Acho que podemos relacionar a tradução a este último caso.

Até um tempo atrás, fazer quatro anos de faculdade, pegar o diploma e ir trabalhar numa empresa era ponto pacífico em quase qualquer profissão. Até que nos vimos envoltos em tantas tecnologias novas e maneiras diferentes de nos comunicarmos e fazermos nossos trabalhos, que o tradicional escritório  foi sendo cada vez mais repensado.

Exemplo melhor que a tradução não há. Desde a formação propriamente dita, até o modus operandi da profissão. É preciso diploma para ser bom tradutor? Não. É preciso, sim, estudar, mas esse ramo de atuação nos permite tantas formas diferentes de fazê-lo que a formação universitária a que estamos acostumados nem sempre está em primeiro plano.

Isso me lembra um artigo que li há um tempo, chamado The End of College?, que, acredito, se aplica perfeitamente à situação do tradutor de várias formas. Gostei muito dessa observação final da autora do artigo, fazendo uma separação entre o estudar para adquirir conhecimento e o fazer treinamento para obter qualificação:

New organizations will be created that offer workplace credentials, and traditional colleges will be free to research and teach without worrying about job training. And this will be a great thing. Our grandkids will be able to save time and money by getting badges targeted to the specific areas in which they work. And if they do go to college, they will be able to enjoy a wonderful concept that has been almost entirely lost by our modern education system: To learn simply for the sake of learning.

No fundo, não é este um problema de muitas universidades que oferecem cursos superiores para tradutores? Essa mescla entre o conceitual e a prática, que nem sempre dá liga? O aluno sai do curso tendo tido pinceladas de teoria e prática insuficiente, não se aprofundando nem em uma coisa, nem em outra. Chega no mercado e sente que não está preparado para ele.

Felizmente, existem muitas maneiras de compensar essas lacunas. Os programas de mentoria, por exemplo, sempre me chamaram a atenção. Gostaria que no Brasil eles fossem mais difundidos, mas tendo a acreditar que a coisa está caminhando para isso. Aliás, você sabia que o ProZ já tem um programa desses?

Outra coisa é que, hoje, a internet é a grande (se não a principal) aliada na formação do tradutor. A quantidade de treinamentos, cursos, seminários, artigos, vídeos oferecidos na web é incrível (ótimos exemplos são os sites Khan Academy, Coursera e o próprio ProZ). O tradutor que usa recursos online já pode ser considerado um profissional arrojado, por cuidar de sua formação/atualização de maneira independente e, por vezes, inovadora. É como diz este artigo aqui sobre formação superior online:

(…) another area of concern was the ability of recent graduates to use online technologies (such as email, calendars, etc.) for professional purposes. Brick-and-mortar schools typically provide at least some exposure to these tools, but the training students receive is often sporadic and sometimes outdated. Online schools not only help students develop digital skills, but allow students to use a variety of cutting-edge utilities while gaining experience in turning their computer into a productivity tool. Further, simply choosing to attend college online demonstrates that you’re a computer-savvy individual who stays at the vanguard of technology.

Se pararmos para pensar, as possibilidades de aprendizado para um tradutor são praticamente infinitas! Quem está procurando se especializar, por exemplo, pode participar de eventos ou fazer cursos específicos das áreas pelas quais se interessa. Não é preciso ficar restrito ao estudo da tradução em si. Pelo contrário, quanto mais formos além na busca do conhecimento, mais capacitados seremos.

Por fim, creio que podemos tirar grandes vantagens do caráter versátil da nossa profissão. Não reclamemos sobre acompanhar as novas tendências. O tradutor de hoje, ele mesmo, já é uma nova tendência do mercado. Com tantos recursos e facilidades, não será difícil mantermos esse status.

É possível conciliar o seu maior projeto de vida, os filhos, com o trabalho de tradução?

Rafa Lombardino*

“Menina, o que você já tá fazendo na frente do computador?!” ou “Por que você não respondeu o e-mail que eu enviei meia hora atrás?”

Essas foram as duas reações completamente diferentes que alguns dos meus clientes tiveram quando voltei a trabalhar poucos dias depois de os meus filhos nascerem. O plano original era tirar pelo menos 45 dias de licença maternidade e voltar à ativa aos poucos, em meio período, para aprender a conciliar o papel de mãe e o papel de tradutora. Não deu nem um mês…

A Marissa nasceu em setembro de 2008 e o Lorenzo em agosto de 2012. Ambos partos naturais na banheira de uma clínica-maternidade com o auxílio de uma parteira. Nas duas ocasiões, cinco horas mais tarde eu tive alta e já estava de volta em casa para dar início à recuperação, aproveitar o carinho da família e dos amigos e me apaixonar pelos meus bebês.

Mas nem tudo é um mar de rosas. Criar um pingo de gente no seu ventre exige muita energia durante as quarenta semanas (ou mais!) de gestação. Apesar do alívio imediato depois que o bebê finalmente está nos seus braços, o seu corpo ainda leva tempo para voltar ao normal. Você reaprende a andar, reaprende a se sentar, reaprende a fazer tudo que levou nove meses aprendendo a fazer diferente para acomodar a barriga crescente, os pés inchados e a lombar dolorida.

E a mente? Ah… a mente mente! Você acaba trocando o dia pela noite, dependendo do ritmo de vida imposto pelo seu bebê. Seus pensamentos até parecem bem claros na sua cabeça, mas o cansaço e a falta de sono vão acabar interferindo no seu raciocínio. Pode apostar!

Tô ficando doida? – Você abre a boca para dizer alguma coisa e já não consegue completar frases, tentando economizar energia e torcendo para que todos ao seu redor consigam ler os seus pensamentos.

Você fica frustrada quando tudo cai da sua mão, menos o bebê e o precioso leitinho. Falando nisso, se quiser aproveitar a conveniência de ter mamadeiras prontas na geladeira, você passará pelo menos umas três horas apertando a bombinha tira-leite em quatro ou cinco sessões diárias. Dica: chá de feno grego funciona se o seu objetivo for se tornar uma vaca leiteira e produzir 1,250 L de leite por dia.

Você ouve vozes! No meu caso, o Guilherme Arantes cantou no meu ouvido um dia inteiro… Não, o rádio não estava ligado e não ouço uma música dele há muito tempo, mas o cara teimou de vir cantar aqui em casa. Talvez cérebro de mãe de recém-nascido funcione em uma frequência diferente e você acabe captando essas ondas misteriosas…

Apesar de todos esses contratempos, ao contrário do que muitos pensam, cuidar de um bebê não é algo assim tão complicado. Bom, complicado mesmo é correr atrás de uma menina de quatro anos, cheia de energia, que vai para o jardim da infância meio-período às segundas, quartas e sextas, faz ginástica olímpica às terças e quintas, balé às sextas e, mesmo assim, é movida a pilhas que duram mais do que as do coelhinho da Duracell.

Criança de quatro anos já fala e a resposta para tudo é: “Não!” Tem hora para comer, tomar banho, fazer lição de casa e de ir para cama. Mas criança de quatro anos também ajuda, participa, pega paninho para limpar quando o bebê dá golfadas em cima de você e dá aquele abraço gostoso que recarrega a suas energias.

Sim, bebês dependem de você para tudo, mas logo a gente se acostuma com o ciclo: dar de mamar, trocar fralda e colocar para dormir. Se a sua recuperação também está progredindo sem sobressaltos, nas horas vagas já dá para planejar a volta ao batente.

Aproveitando as preciosas horas do dia – Sou daquelas que não consegue ficar muito tempo parada. Preciso sempre fazer algo de produtivo, então poucos dias depois de dar à luz bateu aquela vontade de ouvir o barulho do teclado de novo. Porém, levando em conta todo esse vai-e-vem físico, psicológico e emocional, é preciso acima de tudo ser honesta consigo mesma e se perguntar: “Estou mesmo preparada?”

A última coisa que você quer é voltar a trabalhar e meter os pés pelas mãos, cometer erros imperdoáveis, não respeitar o prazo de entrega e depois dizer que a culpa é das noites mal dormidas. Você precisa se conhecer, saber qual é o seu horário mais produtivo e se planejar muito bem.

Você é daquelas que cai da cama cedo e traduz umas mil palavras antes de o estômago começar a roncar pedindo o café da manhã? Ótimo! Se você foi dormir à meia noite depois de andar pela casa gastando o seu repertório de canções de ninar até o bebê finalmente cair no sono e logo acordou às três da manhã para dar de mamar outra vez, aproveite a insônia para trabalhar umas duas horinhas assim que o bebê voltar à dormir. Desse jeito, você começa o dia mais cedo e vai adaptando o horário de trabalho com a rotina do pequerrucho.

É notívaga? Maravilha! Cochile durante pelo menos uma hora sempre que o seu bebê dormir depois de estar bem alimentado e de fralda limpinha. A noite será toda sua para batucar no teclado à vontade.

Quando emperrar naquela expressão chata, que nem o dicionário ajuda a traduzir naturalmente, tire uns quinze minutos para estender um cobertor no chão da sala e colocar o bebê de barriga para baixo, assim ele exercita os bracinhos e as perninhas e aprende a levantar a cabeça, treinando para logo começar a engatinhar. Enquanto se diverte vendo o bebê desenvolvendo as suas habilidades motoras, a mente da mamãe começa a trabalhar passivamente. Diversos estudos apontam que o cérebro funciona melhor quando precisa encontrar uma solução se você deixa de pensar no problema e executar uma outra tarefa (tomar banho, cozinhar, lavar a louça, lavar a roupa, etc.)

Use os minutos que passar amamentando ou apertando a bombinha tira-leite para ler os documentos que está se preparando para traduzir, fazendo uma interpretação preliminar ao passar os olhos pelo texto original e improvisar em voz alta a tradução do que está lendo, técnica também conhecida como “sight translation”.

A propósito, muita gente acaba adotando algum software de voz para ditar traduções para o computador, já que as suas mãos vão estar ocupadas demais. Confesso que essa opção não funciona para mim, já que o meu cérebro se comunica melhor com os meus dedos do que com a minha boca, então prefiro mesmo digitar a ditar.

Não importa a técnica que funcionar para você. Assim que conseguir reservar um tempinho para o trabalho, concentre-se ao máximo e aproveite a sua produtividade sem culpa antes de voltar para os deveres de supermãe.

O seu bebê e os “bebezões” – Assim como nenhum bebê é igual ao outro, cada tradutor é único e tem as suas peculiaridades. Uma ou outra dessas dicas poderá funcionar, outras você vai descobrindo por conta própria. Mesmo assim, lembre-se de que você é uma só e que, a partir do momento em que se torna mãe, essa é a sua profissão principal.

Sim, é difícil atender às necessidades do seu bebê e de todos os seus outros “filhos” ao mesmo tempo, mas cliente bom entende, já passou por isso e, se gosta mesmo do seu trabalho e valoriza a relação profissional de anos, não vai simplesmente virar-lhe as costas.

Às vezes, até os clientes mais rígidos amolecem assim que você manda um aviso, com meses de antecedência, de que vai entrar em licença maternidade. Aposto que eles, tanto mulheres como homens, vão encher você de perguntas sobre como está passando, se já escolheu o nome do bebê, para quando está previsto o nascimento e se você promete que vai mandar fotos assim que o bebê nascer.

Já outros clientes não tem a menor empatia mesmo… Nesses casos, a melhor coisa é ser bem realista, trazer o cliente de volta para terra firme e insistir que não, não dá para traduzir cinco mil palavras de um projeto super-hiper-ultra técnico para entrega até o fim do expediente.

Se o cliente não aceitou o “não” como resposta depois de você lembrá-lo que está de licença maternidade, explicar que deu à luz há três dias e ainda não está em condições de voltar a trabalhar no horário comercial, o negócio mesmo é apelar.

Diga para o cliente que você precisa se deitar e elevar os pés para aliviar o inchaço. Não funcionou? Parta para a próxima fase: explique que não pode se sentar direito durante horas a fio porque a parte inferior da barriga ainda dói por causa do útero que está desinchando e tentando voltar ao tamanho normal depois de nove meses em livre expansão.

Não foi suficiente? Pergunte se o cliente –principalmente se for a cliente– sabia que depois do parto a mulher sangra durante até seis semanas e ainda é muito incômodo sentar para trabalhar. Principalmente se você estiver usando fralda geriátrica durante a primeira semana…

Na maioria dos casos, quando você é levada a tal extremo, essa imagem tão gráfica ajuda a colocar tudo sob perspectiva e os clientes param e pensam: “Caramba, a minha tradutora acabou de ter um bebê e eu estou aqui, pedindo o que já era praticamente impossível sob condições normais.”

Das duas, uma: ou você descobre que o projeto não era tão urgente assim e consegue negociar uma data de entrega de acordo com a sua realidade ou, então, o cliente pergunta se tem algum colega em quem confie para cuidar desse documento.

Arma secreta – Quando você estiver pronta para fazer a transição de licença maternidade para o trabalho em meio período, seja três dias ou três meses após o parto, sempre é bom ter uma “arma secreta” para ajudar você a se concentrar no seu serviço.

No meu caso, a carta que eu tenho na manga é o maridão, que é um pai nota dez: troca fralda, dá mamadeira, coloca o bebê para balançar na cadeirinha ou de barriga para baixo para se exercitar. A sua arma secreta pode ser os seus pais, sogros, irmãos, cunhados, amigos…

Receber apoio é fundamental e todos saem ganhando: você começa a se organizar e a sua companhia aproveita algumas horas cuidando do bebê. O pequenino também leva muita vantagem nessa, já que interagir com pessoas diferentes ajuda o seu cérebro em desenvolvimento a estudar expressões faciais diferentes, identificar outras vozes e memorizar as características daquelas pessoas que serão tão importantes na vidinha dele.

Acredite, conciliar as mil coisas que você precisa fazer durante o dia é possível. Programe-se e tenha como o seu fiel escudeiro um bom sistema para se organizar, seja a boa e velha agenda de papel ou o calendário do Google. O segredo é não dar um passo maior do que a perna e ser honesta consigo mesma.

Pensando em todos esses prós e contras, todo esse sobe e desce, se eu tivesse que fazer tudo de novo eu não mudaria uma vírgula sequer.

* Rafa Lombardino nasceu em Santos/SP em 1980 e se mudou para San Diego em 2002, onde mora com o marido e os filhos. Formou-se no ensino médio técnico em 1997 com um certificado profissional em Processamento da Dados e concluiu os estudos universitários em 2002, formando-se em Jornalismo. Começou a trabalhar como tradutora em 1997 e hoje é presidente da Word Awareness, uma pequena rede de tradutores profissionais criada na Califórnia em 2004, que virou corporação em 2009. Foi aprovada no exame de tradução do inglês para o português da Associação Americana de Tradutores (ATA) em 2007 e, no ano seguinte, obteve o certificado profissional do curso de extensão em tradução do espanhol para o inglês oferecido pela Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD Extension), onde atualmente dá aulas e faz palestras sobre o papel da tecnologia na tradução. Rafa também escreve sobre tradução literária no blog bilíngue Literary News / Notícias Literárias.

O primeiro trimestre da gestação

Primeiro trimestre de gravidez não é fácil, gente! Esses primeiros meses mudaram totalmente minha rotina, tanto pessoal, quanto de trabalho.

No primeiro mês não sabia da gravidez e, por conta de uma situação difícil pela qual passei, a alimentação e o sono ficaram muito prejudicados. Por isso, meu corpo entrou no segundo mês da gestação implorando por descanso e comida!

Apesar da fome imensa (= sensação de ter um Pacman no estômago), tive enjoos constantes, acompanhados de cansaço excessivo e quedas terríveis de pressão. Essa última acabou me deixando de cama várias vezes, às vezes quase o dia todo. Não conseguia sair de casa 5 minutos sem passar mal.

Nesse ritmo, comendo azeitonas como se não houvesse amanhã, chegou o terceiro mês. E aí não tive outra opção senão remanejar/renegociar prazos, recusar (bons) projetos e apertar o cinto para aguentar a diminuição da renda. A conversa franca com alguns clientes foi fundamental para não estremecer as relações.

Confesso: parecia que esses três meses iriam durar para sempre. Além de todo mal-estar e montanha-russa emocional, ficar preocupada com a pausa no trabalho não ajudou. Não é só uma questão financeira, mas também o receio de perder clientes ou demorar para conseguir retomar as coisas.

Agora, no quarto mês, as coisas estão infinitamente diferentes. Já voltei a uma rotina normal de trabalho (com mais pausas para comer ou tirar um cochilo, que o corpo pede e não dá para negar). Os clientes não fugiram, e logo deu para respirar e soltar o cinto pra barriga poder crescer. 😉

A lição aprendida: dar uma parada no trabalho, remanejar projetos ou recusar serviço não é tão dramático quanto parece. Nunca achei que começo de gravidez fosse tão difícil fisicamente, mas esse impedimento de trabalhar me fez aprender a ficar mais tranquila diante de situações que mudam repentinamente. E, sendo mãe, acho que vou precisar lidar muito com as mudanças de rotina, de qualquer forma. Quanto antes souber lidar com as adversidades, melhor!

Os manuais, a leitura e a escrita na tradução

Depois de ter escrito o artigo  Crie seu próprio guia de estilo, ocorreu-me que seria interessante falar também sobre a escrita na tradução de modo mais geral.

Todos sabemos que manter a padronização de termos numa tradução, principalmente na técnica, é essencial e confere qualidade superior ao texto. Mas a padronização em si é apenas uma pequena fatia do produto final, já que um texto não se limita apenas a convenções terminológicas ou ortográficas.

Para entender melhor, vou usar alguns textos do filósofo Olavo de Carvalho. Cito abaixo trecho de A arte de escrever, Lição 1: Esqueça o Manual de Redação. Lembrando, antes, que 1) o autor discorre sobre a produção de textos originais, e não de traduções; 2) o texto foi escrito tendo em mente o contexto jornalístico, portanto, guardemos as devidas proporções e ressalvas; e 3) ainda que não fale de tradução propriamente dita, o texto ajuda a entender a importância de saber escrever e de como escrever, e isso, claro, diz muitíssimo respeito à atividade tradutória.

Vamos ao trecho, então:

A padronização pode ser um mal inevitável. Mas para que exagerar, vendo nela um bem absoluto, o modelo mesmo de boa escrita? (…)
Normas de redação, se estatuídas, devem ser apresentadas, com toda a modéstia, como convenções práticas, neutras, nem melhores nem piores que quaisquer outras, e nunca como padrões de “bom gosto”, “elegância”, etc., que são valores de estética literária muito mais sutis do que aquilo que esse gênero de manuais está em condições de delimitar. Os manuais deveriam ater-se, o quanto possível, a aspectos exteriores e “materiais” da escrita, como ortografia, abreviaturas, padronização de nomes, evitando pontificar sobre estilo ou, pelo menos, opinando nisto com extremo cuidado e tão somente em nome da conveniência utilitária, não da estética.

A primeira questão é que, realmente, a forma (“ortografia, abreviaturas, padronização de nomes”) é diferente do estilo (“‘bom gosto’, ‘elegância’, etc., que são valores de estética literária”), então talvez seja um pouco equivocado se falar em “manual/guia de estilo”. Talvez o mais adequado fosse “manual/guia de padronização”, ou algo semelhante.

A segunda questão é muito importante para o tradutor. Quando o autor diz “Mas para que exagerar, vendo nela [na padronização] um bem absoluto, o modelo mesmo de boa escrita?”, resta claro que a padronização terminológica ou ortográfica de um texto não basta para que ele seja bom. Levando isso para a atividade tradutória: ainda que a terminologia e os aspectos formais da língua estejam uniformizados na tradução, há muito mais que devemos fazer para ser ela considerada uma tradução de qualidade. Trata-se da “estética literária”, das sutilezas da língua e do estilo.

É claro que a questão de estética terá níveis diferentes dependendo do que traduzimos. Traduções de textos técnicos exigem menos esforço literário, digamos assim, do que as de contos, crônicas ou poemas. Creio que vocês entendem a diferença.

Agora, para desenvolvermos um texto que não apenas gire em torno da uniformização terminológica, mas que tenha também riqueza de vocabulário, ausência de ambiguidades ou termos equivocados, ideias concatenadas (entre si, e entre a tradução e o original), adequação etc. é preciso saber escrever bem. E para escrever bem, voltemos à velha máxima: é preciso ler. O tradutor lê o tempo inteiro, mas é fato que, se ele ficar restrito às leituras de trabalho, será cada vez mais difícil enriquecer não só seu vocabulário, como também seu imaginário. Até porque, nem tudo que nos cai nas mãos para traduzir é bem escrito ou tem bom conteúdo.

Cito mais um trecho de A Arte de Escrever… (grifo meu):

A amoldagem da cabeça humana a um conjunto de normas práticas, não contrabalançada pela consciência do caráter meramente convencional dessas normas, pode produzir nela uma verdadeira mutilação intelectual, tornando-a, a longo prazo, incapaz de compreender e apreciar o que quer que esteja fora do padrão costumeiro. A quase absoluta incapacidade para a leitura de textos mais abstratos, de filosofia e ciência, por exemplo, que observo em tantos de meus colegas, não resulta de nenhuma deficiência congênita, mas do costume adquirido de lidar com uma só das dimensões da linguagem, deixando atrofiar a sensibilidade para todas as demais: o hábito da escrita plana e rasa produz a leitura plana e rasa.

Quando falamos de traduzir, não falamos somente da transposição de ideias de uma língua a outra, mas também de como essa transposição é feita, e seu meio é a escrita. Isso quer dizer que escrever não pode ser considerado um ofício menor do que o ato de traduzir em si. Ao contrário: escrever é o meio de que se vale para fazer tal transposição sendo, portanto, parte essencial e mais visível do trabalho do tradutor. Afinal, o leitor não terá acesso ao original e não fará uma análise de nossa transposição de ideias. O que ele tem em mãos é o produto final, um texto pronto, escrito em seu idioma materno.

Mas para que a escrita, de modo geral e na tradução, seja bem desenvolvida, não basta ler. É preciso saber ler. Em Aprendendo a escrever, Olavo de Carvalho adverte:

A seleção das leituras supõe muitas leituras, e não haveria saída deste círculo vicioso sem a distinção de dois tipos: as leituras de mera inspeção conduzem à escolha de um certo número de títulos para leitura atenta e aprofundada. É esta que ensina a escrever, mas não se chega a esta sem aquela. Aquela, por sua vez, supõe a busca e a consulta. Não há, pois, leitura séria sem o domínio das cronologias, bibliografias, enciclopédias, resenhas históricas gerais. O sujeito que nunca tenha lido um livro até o fim, mas que de tanto vasculhar índices e arquivos tenha adquirido uma visão sistêmica do que deve ler nos anos seguintes, já é um homem mais culto do que aquele que, de cara, tenha mergulhado na “Divina comédia” ou na “Crítica da razão pura” sem saber de onde saíram nem por que as está lendo.

Portanto, não é “ler de tudo” o que realmente nos faz aprender a escrever bem, mas sim a seleção que fazemos dentro desse “tudo”. É tarefa difícil, mas tendo consciência de que existem esses dois tipos de leitura, fica mais fácil nos atermos àquelas que nos serão mais úteis.

Para quem quer ser escritor, no mesmo texto o filósofo dá um conselho que nós, tradutores, podemos aproveitar, já que, em certa medida, somos também escritores:

Mas a aquisição do código supõe, além da leitura, a absorção ativa. É preciso que você, além de ouvir, pratique a língua do escritor que está lendo. Praticar, em português antigo, significa também conversar. (…)

Ou seja, para escrever bem, além de ler bem, é preciso praticar. Isso envolve, também, a tradução. Para se traduzir bem, só com a prática. E essa prática é algo contínuo, que não termina nunca. A vatangem da nossa profissão é que, quanto mais velhos e experientes ficamos, mais valor temos. Enquanto um atleta vê seu corpo e seu desempenho declinarem com o tempo, um tradutor vê sua mente cada vez mais em expansão. E, com as constantes leituras e exercícios de escrita e tradução, maior é sua capacidade de construir um texto rico, coeso e coerente, porque maiores são suas referências e experiência de mundo.

Isso pode se dar de muitas formas, desde traduzir textos de assuntos ou autores que nos interessam nas horas vagas, até arriscar a escrever textos literários em um blog. Há também um tipo de exercício que Olavo de Carvalho indica como método para aprimorar a escrita, que é o da imitação. Pegar um autor que gostemos (por exemplo Eça de Queiroz, Manuel Bandeira, Clarice Lispector etc.) e escrever imitando seu estilo. Segundo ele,

A imitação é a única maneira de assimilar profundamente. Se é impossível você aprender inglês ou espanhol só de ouvir, sem nunca tentar falar, por que seria diferente com o estilo dos escritores? (…) imitando um, depois outro e outro e outro mais, você não ficará parecido com nenhum deles, mas, compondo com o que aprendeu deles o seu arsenal pessoal de modos de dizer, acabará no fim das contas sendo você mesmo, apenas potencializado e enobrecido pelas armas que adquiriu.

Assim, não é difícil notar que fazer boas traduções pressupõe esforço contínuo: seja seguindo com cuidado as regras de padronização, seja desenvolvendo nossa capacidade cognitiva por meio de boas leituras ou aprimorando nossa escrita com exercícios práticos. O conjunto de todas essas coisas, aliado ao cuidado com o texto original e com a profissão em si, é o que faz um tradutor caminhar cada vez mais para a completude.

Mais um começo!

Olá, pessoal!

Outro dia ouvi de orelhada na rua alguém dizer que não gosta das comemorações de final de ano, porque tudo é sempre igual. Dia 31 de dezembro é um dia qualquer, assim como 1 de janeiro. Que diferença faz se estamos num ano ou em outro?

Penso diferente. Primeiro, porque os dias nunca são iguais. Nem as horas, nem os minutos. Segundo, porque acredito que o ser humano precisa de ciclos, de períodos que se fecham e outros que se abrem, a exemplo, inclusive, da própria natureza. Só assim para conseguirmos parar e olhar para nós mesmos, avaliarmos quem somos, o que nos tornamos e as mudanças que queremos fazer em nossas vidas.

Acho que isso fica mais fácil de notar no campo profissional. As mudanças, os aprendizados e as conquistas ficam mais evidentes. É um curso que se faz, um novo emprego que se consegue, uma oportunidade de ouro que aparece. A gente sente o crescimento de maneira quase palpável, e junto com ele, o amadurecimento.

Isso me lembra a palestra da querida tradutora e amiga Isabel Vidigal, na Conferência do ProZ. Ela disse que é preciso ter paciência e investir muito tempo da nossa vida para construir a carreira de tradutor. Eu gostaria de complementar: não só tempo, como energia. E energia é renovável, não é mesmo?

Por isso, feliz novo ciclo e feliz 2012!